Um bê-a-bá da Babel

A Torre de Babel destes tempos já cravou suas fundações entre nós. Sua estrutura, invisível, se consolida cada vez que há diálogos, papos, conversas, palestras, conferências, o escambau. Seus pilares năo săo mais diferentes idiomas (as barreiras linguísticas caíram quando os mercados nacionais viraram um mercadão mundial). A Torre se ergue, altiva, na língua própria de cada povo. Nos desentendemos através do mesmo vocabulário.

A Babel moderna talvez seja isso: um amontoado de palavras com razoável conteúdo significativo a serviço da inexpressividade humana. Hoje, desdizer é mais fácil, simples e rápido que dizer. Negar, mais prático que afirmar. Dar a entender, mais usual que o entendimento direto. Se é que me entendem.

Na Torre em que ascendemos, os andares se superpõem enquanto rolam discursos, declarações, divulgações, desmentidos. Com a argamassa da subjetividade, surgem novos patamares de dúvidas e dubiedades. Apesar da falta de clareza, continua tudo em riba.

Enquanto se eleva com todo o material que a ela serve – de gírias a jargões, de indefinições a imprecisões –, a Torre exibe sua poderosa fragilidade. Paredes de contradições em termos, vigas de linguagens corporativas, muros de tecnicalidades e cientificismos. Quem por ela circula tem que desdobrar a língua para saber com quem ou do que está falando.

Tamanho é o abismo entre os interlocutores da Babel que qualquer um é capaz de escrever um texto oco, vago, desinformado. Como este aqui. E assim mesmo fazer algum sentido para muita gente. Por isso a Torre cresce.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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