Há muitas perguntas sobre o roteiro de horror do estupro de uma mulher em completo estado de vulnerabilidade, em Belo Horizonte. Por que os amigos com quem assistia a um show deixaram que ela fosse embora sozinha diante do seu estado de embriaguez? Como o motorista de aplicativo abandona uma mulher desacordada numa calçada durante a madrugada? O que passa na cabeça de um homem, capaz de carregá-la inconsciente por três quilômetros para estuprá-la?
No entanto, uma pergunta que reverbera nas redes desde que o crime virou notícia é “quem mandou beber?”. Um clássico da misoginia nossa de cada dia, uma das variações que tão bem ajuda a definir a cultura do estupro. Por que estava com essa roupa? Isso é jeito de se comportar? Por que a família não fez nada? Sabemos que tudo se traduz numa questão mais simples: quem mandou ser mulher?
A reação desprovida de empatia nas redes nos traz ao menos a resposta de por que o Brasil se transformou na sociedade do estupro, na qual a violência é relevada e as vítimas seguem desprotegidas.
Também serve para entendermos por que os índices revelados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública batem recorde no país, onde um caso é registrado a cada sete minutos.
No imaginário coletivo, a figura da mulher bêbada, seminua, sozinha, se divertindo é a resposta para tantos casos de violência sexual. Quem mandou ser mulher, não é mesmo? Mas o que este pensamento revela é mais do que cumplicidade. Parte dessas pessoas seria capaz de fazer o mesmo, estuprar uma mulher desprotegida ou ser conivente na omissão de socorro, porque enxerga na vítima a razão da sua própria agressão.
É parte da sociedade que ignora as estatísticas de que crianças e adolescentes são alvo preferencial de estupradores, que se aproveitam da vulnerabilidade daqueles que não sabem ou não conseguem se defender, exatamente como a mulher violentada no campo de futebol.