Um estranho na biblioteca

Eu devia ter uns 15 anos. Já tinha cartão da Biblioteca Pública e, de vez em quando, ia lá buscar informações para alguma atividade do colégio. Sempre gostei muito daquele ambiente. O silêncio, as estantes de livros, a atenção das atendentes, os jogadores de xadrez, tudo na Biblioteca Pública do Paraná me encantava – e ainda encanta.

Também as outras casas do ramo que pude visitar. Quando morava no Rio de Janeiro, o Real Gabinete Português de Leitura me pareceu o lugar mais fantástico que conheci. Não tive a possibilidade, ainda, de visitar a do Congresso dos Estados Unidos, mas ela continua na mira.

Assim foi que em uma tarde qualquer me preparei para estudar na Biblioteca. Estudar não é bem o termo. Precisava procurar livros, encontrar referências e copiar o que me parecesse apropriado. Caso a memória siga sem me decepcionar, referia-se a uma prova de Filosofia. Faço um parêntese: nessa época, 15 anos, por exigência escolar, li a Crítica da Razão Pura, às vezes em voz alta – e confesso não haver entendido mais do que o sentido geral da coisa.

O Colégio Estadual do Paraná dividia seus alunos do segundo grau, na época chamado de Científico, em turmas conforme a aptidão de cada um. Meu curso era Ciências Sociais, livre de matemática, física e biologia. As matérias eram Português, Inglês, Francês, Latim, Filosofia, Estudos Sociais, História, Canto e Educação Física. Eu era fraco em Educação Física.

Canhoto, com dificuldade para escrever rápido por conta do jeito canhestro que adotei de segurar a caneta, minha alternativa era prestar atenção na aula e mentalizar o conteúdo. Meus cadernos nunca tiveram mais que pequenas anotações, finalizadas quando a mão começava a doer.

Pois naquela tarde na Biblioteca Pública encontrei um tesouro de informações para o que estava pesquisando. Danei a escrever o que podia, esperando poder copiar tudo o que precisava.

Mas, eu não sabia, a Biblioteca fechava às 17h. Estou lá, hieroglifando com a destreza que nunca tive, quando senti estar sendo observado. Ao levantar os olhos, vi que havia quatro bibliotecárias em volta da mesa.

A biblioteca havia fechado, mas elas olhavam impressionadas para aquela descoordenação frenética. Por curiosidade, permitiram que eu ficasse mais uns 10 minutos, até encerrar um último capítulo.

Foi quando ouvi a voz de uma delas:

– Impressionante, falou.

Já terminando a tarefa, ouvi outra, atrás de mim, completar:

– Coitado!

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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