Um pouco mais do Velho Lobo

Outro dia, ao homenagear o atual trabalho jornalístico da Rede Paranaense de Comunicação (RPC), citei um jornalista da velhíssima geração, Fausto Wolff, para quem “o jornalismo é a profissão mais bonita do mundo porque dá o oportunidade a um jovem pobre que tenha amor pelo mundo, pelo país, pelo que acontece a sua volta, de dizer para o povo o que o poder está fazendo”.

Aí, deu-me saudade de Fausto, considerado sempre um marginal, e a vontade de falar um pouco mais dele, certamente um estranho para as novas gerações, inclusive de jornalistas.

Jornalista, escritor, tradutor, comunista de carteirinha, gaúcho de nascimento e carioca por opção, que lecionou na Inglaterra e dirigiu teatro em Nápoles e na Dinamarca, Fausto Wolff era um revolucionário. Queria reformar o mundo. Pela força. Era feroz e desmedido na defesa de seus ideais. Assim como foi o nosso Walmor Marcellino. Quis pegar em armas, mas acabou usando apenas o verbo e a caneta. Sempre de modo devastador. Atrevido, ferino, desbocado, era maior (em tamanho e talento) que a própria mordacidade.

“Já escrevi em algum lugar que, enquanto não nos revoltarmos contra o conceito de democracia que considera sagrado o direito de uma minoria escravizar o resto, jamais chegaremos à condição de seres humanos” – legou em seu derradeiro escrito no Jornal do Brasil, publicado no dia em que morreu.

Quando sofreu uma isquemia, em 2006, Fausto fugiu do hospital onde o haviam internado. A pé. E foi tomar o café da manhã em um boteco de Ipanema: um conhaque, um sanduíche de pernil e um cigarro. Quis também escrever um poema, mas as mãos não obedeceram ao cérebro. Teve que voltar ao hospital. Desta vez de táxi. Ao receber alta, os médicos proibiram-lhe as três coisas de que mais gostava: fumar, beber e procriar. Seguiu a recomendação à risca. Nunca mais fumou, bebeu e procriou… ao mesmo tempo. “Tudo tem o seu tempo certo” – justificou.

Fausto nasceu Faustin von Wolffenbüttel, nome inadequado para um gaúcho. Ainda mais de Santo Ângelo, zona da fronteira. Estava mais para general do império austro-húngaro. Virou Fausto Wolff e mudou-se para o Rio de Janeiro. Tinha 18 anos. Foi garoto de Ipanema, tomou todas na Visconde de Pirajá, Montenegro e Gomes de Carvalho. Chegou a escrever simultaneamente para três jornais diários: Jornal do BrasilTribuna da Imprensa e Diário da Noite. Depois, foi um dos editores do velho O Pasquim de guerra e esteve também em Bundas, onde criou o Natanael Jebão, um colunista direitista, defensor dos corruptos, vejam só!

Nos últimos momentos, porém, Fausto andava decepcionado com a imprensa: “Hoje, faz-se um jornalismo de merda porque não leva o povo em conta” – acentuava. E fazia questão de diferenciar o rebelde do revolucionário: “O revolucionário sabe que o poder corrompe sempre, que o capitalismo é um sistema selvagem sim e, por isso, não pode abrir a guarda. O rebelde só é rebelde até ser convidado à mesa do poder. Em meus 50 anos de jornalismo, eu conheci muitos rebeldes, a maioria que eu ensinei a escrever”.

Outra decepção confessada era com o “seu” Rio de Janeiro: “Eu reconheço a cidade, mas não reconheço mais os habitantes. A maioria das pessoas tornou-se rude. O carioca era por natureza gentil, cordial, cordato sem ser puxa-saco. Hoje, vemos as pessoas sem esperanças, sem perspectivas, aprisionadas a um emprego, sem condições para tomar ao menos um chope na esquina, porque esse chope vai representar um litro de leite a menos em casa. É a herança que o militarismo passou para o neoliberalismo”.

Coincidências à parte, na mesma sexta-feira (5/9/2009) em que morreu Fausto Wolff, a imprensa e a cultura nacionais perderam outro bravo brasileiro, de quem também estamos sentindo muita saudade: Fernando Barbosa Lima, filho do inesquecível Barbosa Lima Sobrinho. Foi muita tristeza num dia só.

P.S. – Esse texto sobre o “enfant terrible” Fausto Wolff compõe um pequeno volume que ainda pretendo editar, edição caseira, de pouquíssimos exemplares, sem fins comerciais, e que será simplesmente denominado “Alguns Personagens”. 

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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