Um prazer bastante peculiar

O que é uma transa vazia se você pode ter o mundo inteiro aos seus pés?

Fiz uma aplicação de botox na testa que “escorreu” internamente para a minha pálpebra direita. Estou há dois meses parecendo o Cerveró. Ando pela casa gritando “Slooooth” e fazendo selfies bizarras. Uma quantidade da toxina alcançou também parte do nariz e da boca. Em suma, caro leitor, eu estou feia pra porra. Toda vez que volto da rua, lépida e faceira, meu marido infla-se em compaixão: “Que coragem sair assim!”. Eu respondo que em terra de cego, quem tem um olho é rei. 

Estava pronta para o show do Los Hermanos quando uma amiga perguntou: “Mas você vai com esse olho?”. E então, na frente de uma turma de desconhecidos cheios de pose, fingi tentar arrancar meu globo ocular: “É, não tá rolando, vou ter que ir com ele mesmo”. Riram, e ficou tudo resolvido.

Passei a adolescência achando que precisava ter uma bunda redonda e dura para que sorrissem para mim nas festas. Descobri que se eu fosse ridícula seria ainda mais amada e, em vez de me acabar na academia, bastava seguir sendo apenas a minha pior versão.

Quando se é abestada, muitos gatinhos não te desejam sexualmente, mas os velhinhos, os animais, os bebês, as mulheres, as crianças e os caras legais te adoram. O que é uma transa vazia com um cara metido se você pode ter o mundo inteiro aos seus pés?

Não vou negar que chorei por alguns dias (voltando ao assunto da cara toda cagada pelo botox); não vou mentir que não senti uma leve desesperança quando tentei cuspir a pasta de dente e atingi meus perfumes ao lado da pia; mas depois acabei tomando gosto. Me expor ao ridículo sempre foi um dos meus maiores prazeres. Ontem fui a uma reunião com um moletom GG estampado com girafas imensas e no carro lembrei que tenho roupas ótimas —o problema é que não gosto delas.

No começo do ano, participei de um almoço só com gente muito culta e bacana na Folha de S.Paulo. Quando adentrei a sala, estava todo mundo sentado retinho, falando coisas um tanto ensaiadas e em voz baixa. Começou a me dar uma vontade danada de soltar um absurdo para acabar com aquela cerimônia. Que eu cometesse logo um erro grotesco para me libertar grandiosamente do medo de dar algum pequeno fora.

Ao perceber que todos ali eram do tipo que ministra aula magna, quis de uma vez por todas entender que raio era aquilo. Vem de magnânima? De magnitude? A masterclass é sua prima gringa ou esse “master” vem de mestrado? Pensei: “Pergunto ou não pergunto? Se rirem, vou parar de sentir vontade de golfar minha bile nesse arroz tão branquinho?”. E lancei: “O que é uma aula magMa?”. Quando não sou suficientemente péssima, meu ato falho sempre corre atrás do prejuízo. Silêncio absoluto até que alguém falou: “Magma não tem a ver com aula, Tati, é uma massa espessa e…”. Certeza que depois desse dia meu apelido virou Aula MAGDA. Antonio Prata, sempre muito querido, explicou aos convivas: “Ela é inteligente, mas adora parecer que não. Nunca vou entender”. Nem eu.

Tive um analista que dizia ser masoquismo: “Você tira o leite da boca para reviver eternamente o desmame”. Tive outro analista que afirmava ser minha obsessão por controle: “Você ri de você antes que alguém o faça”. Tive uma analista que falava que o humor era prazeroso por ser econômico: “Estamos prontos para um imenso gasto de sentimento (perante um problema), mas fazemos uma piada e economizamos os impulsos emocionais”. A única conclusão à qual chego é que tive muitos analistas.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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