Gosto de pensar que sobrevive no território da nossa alma um pedacinho ainda não devastado pela grosseria ou poluído pela boçalidade da vida. E deliro que ali, em meio ao nosso interior mundo cão, existe o regato sobrevivente no qual, por incrível que pareça, corre água e não lixo.
Às vezes garro a imaginar que as fronteiras dessa reserva de pura, simples e boa humanidade pode ser ampliada aos pouquinhos. Sim, talvez esse ecossistema contagie o terreno minado pela dureza dos nossos corações e regado com a lavagem da sobrevivência.
Mas, para saber se esse território existe mesmo é preciso, antes, chegar lá. Nem tente o caminho da lógica, da violência, da audácia, da determinação, da ciência. Lá é o território das delicadezas que temos nos negado e lá se chega com as iluminações súbitas, que subvertem nossas próprias defesas, armadas até os dentes.
Ali se chega por insignificâncias, como essas que nos dá o Saboro Nossuco. Iluminação assim desprotegida, desarmada, um fardo leve e um jugo suave.
Ou, por outro mesmo lado, dá para encarar Saboro Nossuco apenas como literatura, tudo bem. Mas você não sabe o que está perdendo. Ou melhor: sabe sim.
Roberto Prado, poeta
Koan Do Como Onde. Em maio, nas livrarias e boas casas do ramo. A capa é do Magoo e o livro vai sair pela Bernúncia, de Florianópolis. Mais um livro do Polaco da Barreirinha, Thadeu Wojciechowski, o bardo. Solda.
Uma resposta a Um regato em meio ao mundo cão.