Schopenhauer retorna à varanda deste hotel, à visão do mar. Esqueceu o costume de fazer discursos e, afastando com o gesto a mosca, volta a encarar sem esforço as ondas de salgada branca espuma, as ondas que se destroçam na pedra feito louças. Schopenhauer medita e decide: vai dar um passeio pelo bosque vazio nos arredores da Pacific Coast Highway e assassinar, com soco no ouvido, uma freira carmelita.
No meio do bosque vazio, nesta voltáica cidade de Los Angeles, Schopenhauer encontra a freira. Quando vai desferir o soco, ela reage:
— Agora não; você está muito cansado –, e crava um peixe nos ombros de Schopenhauer; um peixe que se debate de forma violenta.
— Você conhece este peixe? – pergunta a carmelita.
Schopenhauer responde que não. O arpão de um raio acerta a nuca de Schopenhauer, que não morre, antes mistura vocábulos próprios e alheios, paisagens de toda sorte, e ele pergunta a si mesmo como é que um homem, que ia morrer dali a dois dias, podia tratar tão friamente uma freira carmelita, a ponto de querer assassiná-la com soco no ouvido?
Sim, Schopenhauer retorna ao Hotel Sunset Boulevard e encontra Lythia que, ainda sob o guarda-sol, folheia o Livro dos Mortos — o Bardo Todol — que diz que, alguns dias após a morte, tudo em nós vira vento e a primeira coisa que vemos é um cavalo, também de vento, e Lythia percebe que o Schopenhauer que se aproxima não conseguiu matar a freira carmelita e ainda trouxe um peixe cravado nos ombros, um peixe que não pára de se mexer.
Schopenhauer pergunta:
— Quanto tempo ficaste ao sol hoje, Lythia?
Lythia responde, espreguiçando-se:
— Há milênios, milênios.
Uma sombra desce ao rosto de Schopenhauer sempre que recorda o prognóstico do médico que lhe disse:
— Só dois dias de vida, meu senhor, só dois dias.