Luiz Felipe Pondé – Folha de São Paulo
Tem coisa mais brega do que colocar números depois de palavras ou conceitos, como marketing 3.0? Vamos embarcar nessa breguice geral e propor a caretice 3.0. Aquela presente na geração chamada milênio ou Y (e, ao que tudo indica, na Z, mais careta ainda).
Primeiro, vamos esclarecer para quem não sabe: milênio ou Y são jovens nascidos entre 1983 e 2000 (mais ou menos) e “bem de vida”. A partir daí viriam os chamados Z. Outra coisa: trabalho com jovens entre 18 e 20 há quase 20 anos e posso dizer com razoável certeza que eles chegam à universidade cada vez mais caretas.
O que confunde é que certos marcadores como liberdade sexual, fumar maconha, ausência de preconceitos, roupas descoladas e posturas políticas progressistas, classicamente considerados índices de comportamento não careta, aparecem nos jovens de hoje de forma bastante evidente. E isso parece indicar que não seriam caretas. Ledo engano. A caretice 3.0 é justamente esta: ela aparece ali onde se imaginava que jamais estaria por causa desses marcadores históricos. O que nos ensina isso?
Antes de tudo, que a caretice não é um traço que se refere ao conteúdo de uma opinião ou atitude, mas à forma com que essa opinião ou atitude se manifesta. E é justamente na forma que aparece a caretice 3.0 nos mais jovens.
Caretice se refere, antes de tudo, à rigidez associada à autoafirmação moral. Os jovens são cada vez mais rígidos e certos de sua pureza moral. E rigidez, como se sabe, é fruto de sofrimento psicológico. Nunca as famílias foram mais disfuncionais e solúveis em água. Pais tontos e melosos querendo ser mães, mães solitárias e estressadas pelas jornadas triplas. As redes sociais e seu debate histérico são muito mais tóxicas do que a televisão jamais foi.
Essa rigidez se revela no fato de que os jovens nunca se levaram tão a sério como os de hoje. Eles têm opiniões claras sobre tudo.
Aborto, sexo, política, Oriente Médio, cinema iraniano, teoria crítica adorniana, sistemas complexos de economia, relação cosmologia-cosmética trans, uso de medicação tarja preta, amor com outras espécies animais, química da lactose, como alimentar sete bilhões de pessoas com hortas caseiras, a eliminação absoluta do sofrimento na vida dos frangos, como alocar um milhão de sírios na Alemanha, sistemas políticos democráticos para o Iêmen, calotas glaciais, formas de vida sob opressão em Marte, como educar filhos que não existem, métodos democráticos de avaliação escolar, fóruns com crianças de cinco anos para votar as leis de mercado, enfim, toda um gama de temas abertos a opiniões rígidas, porque evidentemente simples e facilmente resolvidos numa aula de filosofia contemporânea a partir de Deleuze e Foucault.
Os jovens estão reduzidos a um manual produzido por professores pregadores e mídias sociais furiosas.
No que concerne à relação com os pais, ou esses aderem à caretice 3.0 (quando não são eles mesmos uma das causas dessa caretice 3.0 devido às suas próprias opiniões corretinhas), submetendo-se à pregação no café da manhã, ou abrem uma frente contínua de polêmicas que sempre chegam ao mesmo lugar: a definitiva desqualificação de qualquer forma de consistência argumentativa em favor da preguiça intelectual e afetiva.
Além da calça jeans, o mercado da caretice 3.0 é um dos efeitos evidentes da contracultura dos anos 1960.
Uma das causas mais interessantes desse fenômeno é a criação da noção de jovem crítico. Ser crítico é, talvez, uma das coisas mais fáceis na vida (facilidade essa pouco pensada por todos os pensadores que criaram esse fetiche da crítica): basta você falar mal de tudo o que não gosta de forma arrogante e estar seguro de que você representa o avanço social e político.
A ideia de que fazer a crítica de algo implica um largo repertório intelectual e afetivo de experiências revelou-se falsa. O caminho mais curto para a não-educação é tornar pessoas de 15 anos críticas. Nunca mais arrumarão o quarto delas justificando essa atitude, agora, na estupidez do Trump.