Ruy Castro – Folha de São Paulo
RIO DE JANEIRO – Volta e meia leio que, para gáudio e delírio de milhões, o festejado cantor ou compositor tal está lançando uma música nova —”inédita”, como se diz— pelo streaming. Talvez em breve ele faça outras, que virão se juntar a esta e formar um, como também se diz, álbum. Ou não –quem sabe esta música não está destinada a uma carreira solo, avulsa, pelos céus da cibernética? Como um single dos velhos tempos.
Até 1948, todo o consumo de discos se dava através de singles —discos avulsos de 78 r.p.m., com uma faixa de cada lado— ou seja, duas músicas por disco. Um artista comum gravava dois discos, ou quatro músicas, por semestre; um artista de sucesso gravava um disco a cada dois meses; e os fenômenos, como Bing Crosby, nos EUA, ou Francisco Alves, no Brasil, gravavam dois discos por mês. Isto, nos anos 1930 e 1940.
As pessoas achavam natural consumir música aos poucos. Muitos artistas gravavam, mas a produção era a conta-gotas. Um disco era escutado inúmeras vezes, de um lado e de outro, e as duas músicas se impregnavam nos ouvidos.
Nos anos 50, surgiu o glorioso LP —o que hoje as pessoas chamam de álbum ou vinil—, com seis faixas de cada lado. Passou-se a ouvir muito mais música. Vieram os álbuns “conceituais”, como os de Frank Sinatra —12 ou 14 faixas obedecendo a um “conceito”. Às vezes, um álbum simples não era suficiente, daí os duplos ou triplos, como os songbooks de Ella Fitzgerald. Infelizmente, produzia-se também muito lixo –na verdade, poucos álbuns justificavam o vinil com que eram feitos. Do LP passamos para o CD nos anos 80, e essa relação não se alterou.
Mas, com o fim desses dois formatos, voltamos à cultura do single, agora sem o suporte físico. Isso não é de todo mau. À razão de uma música por vez, pode ser que a música em geral melhore.