“E com vocês… Ozzy Osbourne, que arrancou a dentadas a cabeça de um pombo!” O público em silêncio. “Alice Cooper, que decepou a cabeça de uma galinha enquanto cantava!” Começam a vaiar. “O grupo Led Zeppelin, que fez orgia com um peixe e sodomizou um morcego!” As pessoas agora estão rindo. Maldade com animal é coisa pra jardim da infância. Aqueles espectadores —os cidadãos de bem— querem mesmo é ver derramamento de sangue humano. Se der pra ter um monte de bebezinhos na UTI, melhor ainda.
Estão cansados dos roqueiros de antigamente, que brincavam de encarnar o diabo. Aguardam a chegada do demônio real. E nem gostam de rock; preferem sertanejo ou gospel. Talvez uma bandinha nazi punk pra fazer a abertura, só pra começar com algo bem leve, e depois a entrada triunfal da supremacia tinhosa. Sabem que o belzebu real é aquele que traz a família inteira e fala em Cristo.
Então o apresentador, o animador de indecências, maldições e ignorâncias, se apruma todo, pois sabe que está na hora. Com voz de spot de varejo das lojas Havan, anuncia a entrada da maior desgraça da história deste país: o homem que, com a ajuda do mega-hit Covid-19 e a conivência do superposte geral da república, dizimou multidões.
A galera vai ao delírio. Não são muitos, porque o que restava de decência no peito dos desavisados serviu pra esvaziar as arquibancadas do evento. Mas os poucos, porque a burrice e a maldade são ensurdecedoras, fazem barulho demais. Batem o pé, se chacoalham, pulam. MATE, MATE, MATE, é o que suas almas conclamam, ainda que a boca grite MITO, MITO, MITO.
E ele entra. Aquele capaz de também matar de inveja qualquer aspirante a satanás. Hitler deve ter se revirado no túmulo ao ver nosso presidente rindo das pessoas que sufocavam antes de morrer. “Poxa! Eu também me regozijei ao matar um monte de gente asfixiada, mas não lembro de ter feito isso em frente às câmeras. Como não pensei nisso antes?”
Famílias se abraçam, casais de beijam. Deveria ser proibido demonstrar amor quando se é a mais pura personificação do ódio. Está no ar a promessa de mais quatro anos de muita autenticidade pra promover a destruição em massa. Se algum coitado resolver lembrar, ali no meio, que o líder odeia mulher (na tentativa de negar que seu marido é misógino, Michelle Bolsonaro confirmou essa frase oito vezes), teme professores e gosta de dormir de conchinha com livro de torturador, vão dar de ombros.
Isso qualquer imbecil da plateia sabe fazer. Mas matar de fome e de falta de vacina tanta gente bacana e honesta, em tão pouco tempo… Esse cara é o cara! Pra quem curte espetáculo de tragédia, sucesso é fila em necrotério. Triunfo é ter mais corpo do que vala pra enterrá-los.
Lá pela metade do show, chega a hora de apresentar a banda. Na bateria, filho esterco 1. Na guitarra, filho dejeto 3. No chocalho infantil, filho estrume 2. Na coxia, as esposinhas. Como são boas moças! O vestido cor de hospital da Michelle foi uma homenagem às vítimas da pandemia? E as mãos sempre rezando, quando não estão recebendo cheques? Generoso que é, Bolsonaro agradeceu até ao seu roadie, Arthur Lira.
Tomada de revolta e ânsia, eu assistia pela televisão ao maior encontro de desgraçados do planeta. Imaginei ali uns cinco conhecidos meus, gente que fazia parte do meu convívio há cerca de dez anos. Bolsonaristas! Imundos! Podres!
Ao meu lado, um amigo recente me mandou respirar fundo. “É preciso conversar e ter afeto por essas pessoas! Se acalme. Anda, desliga isso! Olhe pro céu, pras estrelas.” Céu é uma boa ideia. É de lá que às vezes vêm uns meteoros. Desejei que o Maracanãzinho fosse a cratera de Chicxulub. Até porque vamos mesmo ter que começar tudo de novo.