Há pelo menos três anos o cinema romeno vem ganhando espaço internacionalmente – cuja maior vitrine é o festival francês de Cannes. Em 2005, Cristi Puiu levou o Un Certain Regard por A Morte do Senhor Lazarescu. Corneliu Porumboiu ganhou o Camera D’Or (para cineastas estreantes) em 2006 por A leste de Bucareste. Essa nova geração de cineastas alcançou o reconhecimento máximo quando 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (4 Luni, 3 Saptamini Si 2 Zile), de Cristian Mungiu, levou a Palma de Ouro no ano passado.
Senhor Lazarescu e A Leste de Bucareste, assim como outros exemplares do cinema local, como California Dreamin’ e Como Festejei o Fim do Mundo, são comédias com toques de drama histórico. Nestes filmes, é por meio do riso que os romenos aliviam as suas dores. Já o filme de Mungiu é um drama pesado, pesadíssimo por vezes. Há um único momento de humor, negro, que envolve uma refeição de fígado, carne de porco e cérebro empanado, mas se eu explicar a piada estrago o filme.
4 Meses… não vale, portanto, como síntese dessa onda romena, mas vale como modelo da excelência do cinema romeno produzido para rondar os festivais. Mungiu sabe o que fazer com a sua câmera sempre à mão em planos longos. E ele começa colocando-a, digamos, a meio mastro. O lendário Howard Hawks ficou conhecido como o cineasta que dignifica o homem porque fazia questão de enquadrar os seus atores à altura dos olhos. Mungiu, por sua vez, frequentemente parece filmar sentado. Mais exatamente, sentado à mesa, altura média em que sua câmera se posiciona em várias cenas de 4 Meses…. A sua Romênia, na metonímia implícita nessas imagem, é um grande balcão de negociações.
Transcorrem os anos do comunismo. Como em todo país do Leste Europeu, conseguir bens de consumo, mesmo os básicos, é praticamente impossível pelas vias oficiais. Cigarros ou anticoncepcionais, só contrabandeados. A trama acompanha duas estudantes. Gabriela (Laura Vasiliu) surge em cena angustiada, como quem aguarda um compromisso importante. Otilia (Anamaria Marinca), sua companheira de quarto na república da faculdade, ao contrário, é inquieta, segura. O drama começa quando descobrimos por que Gabriela está tão aflita e, principalmente, quando descobrirmos o que significa o título do filme.
É bastante complicado seguir com este análise sem revelar pontos-chaves da trama. O que dá pra dizer é que Mungiu adere ao drama sem exagerar na dramaticidade. Suas personagens exprimem sentimentos como pessoas de verdade, sufocando-os em silêncio. O longo plano em que a câmera, sobre uma mesa farta de jantar, registra o mal-estar mudo de Otilia diante dos parentes de seu namorado é emblema dessa secura narrativa, uma secura sem close-ups e sem trilha sonora.
Secura não quer dizer, porém, ausência de ponto de vista. A certa altura, Mungiu soma ao relato uma questão de ordem moral (uma questão que no dia-a-dia vemos mais associada com dogmas religiosos, mas que vai além disso), e o filme dá a impressão de assumir um olhar intransigente contra as duas garotas. Mas seria contra as garotas ou contra a Romênia comunista? Sabendo que o contexto histórico está o tempo inteiro cutucando as personagens, e que elas são irremediavelmente sufocadas por esse contexto, seria Mungiu um moralista?
É uma pergunta a se retornar adiante, mesmo porque 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias é o tipo de filme que não se esgota com o fim da sessão.