A dislexia digital é deliberada. Rio de Janeiro, março de 1969. Escapei por um triz de me ensopar no Copacabana Palace – o maluco do Polanski arremessou a Jane Birkin na piscina e eu estava na rota de colisão. Editor de Artes e Espetáculos da Veja, eu fazia a cobertura do 2º FIC. Quem ganhou foi Martin Fierro, um hermano, muito frio para mim.
O bebê de Rosemary já atraia para Polanski as bad vibes de agosto em Los Angeles, quando a “família” de Charles Manson chacinou Sharon Tate, mulher do cineasta, e o bebê na barriga, mais convidados e o caseiro. Polanski também estaria lá naquele sábado, mas ficou em Nova York para assinar um contrato na segunda-feira. Um filme me tocou no festival: The Swimmer/O enigma de uma vida, de Frank Perry, baseado num conto de John Cheever. Burt Lancaster, genial numa história de fracasso vitoriosa.
Mas imaginem só quem estava no pedaço também? Fritz Lang e seu tapa-olho, 79 anos, cineasta desde 1921: o expressionismo alemão, Metropolis, M/O vampiro de Dusseldorf, Dr. Mabuse, as dezenas de noirs nos Estados Unidos. Só apelando para o clichê mesmo: uma lenda viva. E lá fomos nós, com Fritz Lang, numa tarde daquele março de 1969 ao centro do Rio para uma projeção, no auditório da Maison de France, de King Kong, o primeiro e único, de 1933. Cinéfilos alienados, num momento em que a ditadura pós-AI5 torturava e matava implacavelmente.
Fiquei imaginando o que se passaria na cabeça do velho Fritz ao rever aquele filme, do ano em que Hitler subiu ao poder para aprontar toda aquela carnificina. Só me restou parafrasear o bordão simiesco do Tarzã com a Jane: “Me Lang, you Kong.”