Ainda que tente, não consigo parar de ver fotos e vídeos de guerra. Não sei por que tenho feito isso, mesmo sentindo tanto desconforto. Talvez esteja tentando entender o que nunca poderá ser entendido. Talvez esteja tentando humanizar as notícias, dar a elas rostos e histórias, ainda que, paradoxalmente, veja esses mesmos rostos na velocidade constrangedora de um scroll. Ou talvez só esteja tentando aliviar a angústia dos impotentes com a movimentação débil de um dedo indicador.
Fui para a minha estante buscar ajuda. Lá estava Susan Sontag, com seu “Diante da dor dos outros”. Nessa obra, a autora comenta que durante muito tempo as pessoas acreditaram que, se o horror dos conflitos fosse vívido e real o bastante aos olhos do grande público, as guerras cessariam.
Sontag cita como exemplo uma tentativa feita por Ernst Friedrich, em 1924, com a obra “Guerra contra a Guerra!”. Este livro de fotos (à venda por um punhado de dólares na Amazon), lançado logo depois da Primeira Guerra, foi concebido para ser uma verdadeira terapia de choque, mostrando ao público fotos impactantes do campo de batalha e do seu entorno.
Focado em construir com imagens uma narrativa linear e persuasiva, o livro começa com fotos de soldadinhos de brinquedo (alguma dúvida de que o belicismo tem gênero? Até ontem dávamos aos meninos armas de plástico).
Segue com fotos de igrejas e casas destruídas, vilarejos arruinados, carros destroçados, enforcamentos, prostitutas seminuas em bordéis militares, soldados e civis mortos, corpos de crianças e, por fim, sepulturas. Tudo isso com legendas, por vezes cáusticas, em quatro idiomas.
A parte mais forte da edição fica no meio dessa narrativa, em uma seção nomeada “Faces da Guerra”, com 24 closes de soldados com os rostos deformados por cicatrizes —hoje essas imagens estão a um Google de distância de qualquer pessoa e seguem sendo extremamente perturbadoras.
Após o lançamento, o libelo antibeliscista foi denunciado por veteranos de guerra e organizações patrióticas e recolhido de diversas livrarias. Ainda assim, foi celebrado em alguns países, com dez edições na Alemanha e traduções em diversas línguas, fazendo com que muitos pacifistas acreditassem que sua circulação teria uma influência decisiva na opinião pública no sentido de evitar futuros conflitos. Alguns anos depois, estourava a Segunda Guerra.
Estamos falando de uma publicação que foi distribuída apenas em uma parte do mundo. De qualquer forma, parece haver nessa tentativa frustrada de conscientização alguma universalidade.
Desde o ano em que “Guerra contra Guerra!” foi lançado, a produção de imagens deu um salto. Se antes as fotos eram poucas, reveladas em papel filme, impressas em edições de alcance limitado e atreladas a algum custo, agora vemos imagens produzidas em tempo real, a câmera muitas vezes na mão dos civis durante o ataque, o quadro tremido por fugas e explosões, o rosto dos narradores se comunicando de forma veemente ou desesperada a um palmo do nosso, com dezenas, centenas ou milhares de comentários e replicações. Que influência a produção dessas imagens dolorosas vem tendo na tomada de decisões dos últimos conflitos? Acredito que ainda não seja possível saber.
De qualquer forma, parece não haver horror e explicitude capazes de frear os infernos que desde sempre o homem inventa para si.