A máscara chegou para repropor um costume antigo que é o de suspeitar ou ficar intrigado sobre o que esconde um disfarce, uma máscara, por exemplo. Sim, vemos só um par de olhos que por sua vez nos olham. O que ocultarão eles? Como será a parte escondida desse rosto? Essas indagações fazem crescer o mistério saudável da interrogação sobre o próximo
Sou firmemente favorável ao uso da máscara. Ela deveria ser permanentemente obrigatória em todos os lugares. Não só em lugares fechados. Mas sobretudo ao ar livre, nas ruas. Sou, devo confessar, favorável ao uso para sempre. Sonho que a regra se mantenha mesmo depois da pandemia. Sou pouco sociável e nos meus passeios, para me livrar de chatos, muitas vezes gentis, mas chatos, tinha de mudar sorrateiramente de calçada, ocultar-me atrás de postes, mudar subitamente o trajeto.
Com a pandemia, para me livrar do chato, não preciso nada disso. Estou de máscara, e ele geralmente também. Mesmo que nos reconheçamos, o que não é tão difícil se for um chato tradicional e bem conhecido, a máscara lança a dúvida entre nós. E é claro que, à menor hesitação do chato, já pude me afastar alegremente. Ele jamais poderá jurar que o evitei propositadamente.
A máscara estabeleceu a sombra de uma agradável dúvida a pairar sobre a minha relação com os chatos. Mas há mais, muito mais a dizer sobre ela. Explico: hoje tudo está à mostra, tudo é devassado, tudo é totalmente entregue aos olhos dos outros. Revistas, filmes, programas, praias, há uma conjunção de lugares e atividades em que a descoberta do corpo é praticamente total. Isso se tornou comum e inevitável, mas também um pouco monótono. Não há mais o que supor ou imaginar sobre o que nos revela o corpo de outra pessoa.
A máscara chegou para repropor um costume antigo que é o de suspeitar ou ficar intrigado sobre o que esconde um disfarce, uma máscara, por exemplo. Sim, vemos só um par de olhos que por sua vez nos olham. O que ocultarão eles? Como será a parte escondida desse rosto? Essas indagações fazem crescer o mistério saudável da interrogação sobre o próximo. É verdade que a máscara oculta apenas o rosto. Mas haverá coisa mais reveladora e interessante do que um rosto?
Corpos são mais ou menos iguais. Podem ser descritos em qualquer lição de anatomia. Mudam pouco. Os rostos expressam tudo, como no close up final de O crepúsculo dos deuses, de Billy Wilder. A visão do corpo traz um interesse momentâneo e passageiro, não dura. O exame de um rosto pode durar a vida inteira. A máscara veio restaurar uma tradição antiga nos costumes de diversas sociedades. Quem nunca ouviu falar nos famosos carnavais de Veneza, onde saíam todos para as ruas devidamente mascarados, incógnitos, desconhecidos até entre parentes próximos, dispostos a todas as aventuras permitidas pelas máscaras?
Há todo um teatro e uma literatura cômica e trágica, que tem por tema a máscara e o disfarce. Num célebre conjunto de romances que tem como palco a misteriosa e antiquíssima Alexandria, há um acontecimento memorável durante um carnaval dessa cidade, resumo de vícios e magias. Um homem mascarado encontra durante os festejos uma mulher sedutora, perfeita, divina. Dançam e conversam a noite inteira, ambos mascarados, e se apaixonam perdidamente. Ela se recusa terminantemente a tirar a máscara.
Separam-se, no meio da multidão de mascarados enlouquecidos, não antes de ela jurar que o encontraria no mesmo lugar no ano seguinte. Depois de um ano de angústia, o homem a vê chegar. Mascarada. Desesperado para vê-la, o homem luta com todas as forças para que ela tire a máscara. Ela se recusa como no ano anterior e escapa rapidamente.
Dessa vez, porém, o homem a persegue implacavelmente, descobre sua casa, pressiona, pede, roga e finalmente a mulher desesperada remove a máscara. Ela não tinha nariz. Alguma doença pavorosa tinha atingido aquele rosto perfeito, e no lugar do nariz havia apenas duas fendas horríveis. Sua vida tinha se resumido aos dias de carnaval, quando podia ser como todos, isto é, oculta atrás de uma máscara.
Como termina a história, só lendo O quarteto de Alexandria, de Lawrence Durell. Enfim, tudo isso para dizer que estou muito satisfeito e feliz com as máscaras, com as quais encontrei de novo o hábito de tentar ler nos olhos do meu próximo. Tenho aprendido muito? Não sei. Mas certamente me voltou o prazer de adivinhar, de pensar não no que vejo, mas no que não vejo.