Na disputa messiânica que se transformou a política brasileira, ele é o ateu e foi parar na fogueira
Curiosa essa visão de que voto nulo decide eleição. Na última eleição, por exemplo, seria necessário que todos os votos brancos e nulos fossem para Haddad para que ele pudesse vencer. Mais estranha ainda é essa ideia de que o eleitor seria obrigado a votar, mesmo que as opções disponíveis contrariem princípios que lhe são caros.
Se o objetivo é convencer o eleitor a votar no candidato X, deve-se partir desses princípios, em vez de fazer chantagem emocional através de discurso moralista. Ou seja, na verdade, o intuito mesmo do ataque ao “isentão” é apenas sinalizar virtude: “Vejam como somos superiores a essa gente alienada que não vota”.
Esse mecanismo é similar ao do embate religioso: quem não crê em nada é mais repudiado do que o crente radical. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo de 2009 mostrou que, de 14 grupos sociais, ateus e usuários de drogas são os mais odiados no Brasil, com 17%, seguidos por garotos de programa e transexuais (10%). Em 10º lugar, “gente muito religiosa” teve só 5%.
Tão pernicioso quanto deixar a religião comandar a política é tratar a política como religião. Porém é o que temos visto nos últimos anos: os candidatos dos dois polos políticos são tratados de forma messiânica, como epítomes do bem na luta contra o mal. Daí o tratamento dado ao “isentão”, esse ateu da política, repudiado por seguir sua consciência e manter sua integridade. Qualidades que deveriam ser valorizadas como estratégia discursiva na hora de convencer o eleitor. Afinal, ninguém gosta de ser chamado de assassino.