Ao perceber que estava com medo de sofrer furtos, assaltos, assédios e agressões andando pelas ruas de São Paulo, a quadrinista Helô D’Angelo, autora de “Dora e a Gata” e “Isolamento”, procurou uma escola de artes marciais. Assim conheceu o Shàoshèng Centro de Cultura Oriental (especializado em kung fu e tai chi chuan), na Vila Buarque, e o professor Gabriel Guarino, integrante do Piranhas Team, coletivo especializado em dar aulas de krav maga e jiu-jítsu para mulheres e pessoas LGBTQIAP+.
O “Pequeno Manual de Defesa Pessoal”, da editora Bebel Books, nasceu a partir do que Helô vivenciou nessa oficina. É um livro curtinho, lindinho, desses que a gente fica paquerando em espaços gracinhas (ou no caixa das livrarias). Mas seus atributos no diminutivo soam preconceituosos e caem por terra assim que você começa a folhear suas páginas. Eu me peguei aqui sozinha, acreditando em minhas potências físicas e psíquicas, tentando imitar todas as ilustrações (inclusive experimentei ser vítima e agressor ao mesmo tempo, de modo que fui torcer meu próprio braço e me machuquei), e já estou inscrita em uma aula teste para sexta-feira desta semana.
D’Angelo conta que aprendeu com Guarino mais do que golpes e truques de defesa e que agora enxerga seus temores a partir de uma escala de vulnerabilidade, sendo o homem cis branco e hétero o que menos corre risco de ser atacado e a mulher trans negra a mais exposta de todos.
Eu não curto autoajuda, mas não sabia que poderia gostar tanto da autodefesa. Passei a tarde repetindo frases como “Você tem mais força do que imagina”; “Pernas fortes e ombros abertos”; “Se faça grande!”; “É preciso cultivar um estado de atenção”; “Não tenha medo de encarar o conflito” e a mais importante de todas: “Se a pessoa quebra seus limites, ela já cometeu uma violência”.
Uma das principais dicas, que levarei para sempre, é que ou você toma uma distância boa para que sua fuga valha a pena ou o suficiente para que o seu soco atinja o olho do cidadão. O meio do caminho te enfraquece (porque dá tempo para o outro te alcançar ou atacar). Tá aí uma metáfora que deve servir pra muitas situações na viComo preparar e dar o golpe?
Que partes do seu corpo proteger e que partes do corpo alheio você deve atingir em cheio? São coisas que, assim como falar espanhol, todo mundo acha que sabe —e a maioria de nós só passa vergonha.
Até pouco tempo atrás, a autora admitia uma total incapacidade de tratar mal qualquer ser humano, mesmo que fosse um agressor. Contudo, agora nos ensina: “Se alguém rompe os limites que você estabeleceu para si, já não existe espaço para polidez!”, e ainda: “Você pode SIM bater para se defender”.
O importante é acreditar “que a sua integridade física vale mais do que a da pessoa que está te agredindo”. Se para você isso parece óbvio, lembre da importância de reforçar tal pensamento para grupos oprimidos.
Prático e útil, a meu ver só ficou faltando uma última ilustração que dissesse algo como: “Nada disso vale se a outra pessoa estiver com uma arma de fogo”.