E porque a solidão fosse só um começo, eu te encarei de frente sabendo, de antemão, da nossa certa e futura tragédia pessoal. Não, nem eu nem você jamais seríamos sozinhos. Eu acordava então para a glória de existir e você me comovia os olhos molhados. Seus cílios, a íris esmeralda. Talvez nem fossem tão preciosos – eu é que me inventava em você de folhas e agapanto. Era uma hora incerta e quente – disso eu me lembro – e fomos, os dois, um homem, uma mulher e a noite pânica. Pela primeira vez, em muitos anos, eu me disse que a felicidade podia ser mais que uma esperança – essa ilusão sempre renovada para não morrermos de nós mesmos – precocemente. Você também me disse, com um gesto de lábio e olhos, que só agora você era a primeira imortal em toda a história humana. E que aquele era o seu único motivo de viver.
Agora que estou morto e vigora em mim o seu cadáver simples, agora posso dizer – também pela primeira vez sem mentir – que não sonho. Você vive em mim e eu em você.
Revista Ideias|104