O suicídio de uma adolescente curitibana, na semana, nos consternou a todos, não só pela tragédia em si, mas sobretudo pelo que matar-se continua sendo um intricado mistério. Por mais que a psicologia tente nos detalhar motivações e nos desvele a etiologia do ato aparentemente insano, o suicídio não tem explicação. Jamais saberemos se radical pela coragem ou pela covardia.
E nem refiro o suicídio a fogo lento como foi o rali com que fustigamos impiedosamente nossos corpos e mentes, os jovens dos anos 70, baixo “sex, drugs and rock’n’roll”. Quando a droga, lícita ou ilícita, deixou de ser “abertura de códigos” para se tornar o que o próprio nome indica, droga mesmo, lixo.
Tenho um cemitério de suicidas atrás de mim. Da corda ao barbitúrico, do gás à bala certeira, do atirar-se pela janela à gilete a dilacerar o pulso, a lista é estupidamente infinda. Gente no geral jovem e que, num piscar de olhos, nos fizeram para sempre órfãos de seu convívio.
Claro, a ética só me permite a citação de figuras públicas e que, não se descarte, fizeram do suicídio um espetáculo extra de suas biografias. É o caso da jamais esquecida poeta Ana C . Linda, esfuziante e dona de raro talento, aos 31 anos atirou-sedo 8º andar de um edifício em Copacabana. Nenhum bilhete, nem um verso, nem uma palavra. Ficamos, as mãos vazias, os olhos ecos, pasmos de horror.
Pedro Nava (1903-1984), um dos nossos mais luminosos escritores, foi-se deste insensato mundo, com um tiro de 22 direto na fronte. Médico famoso costumava sugerir aos amigos, a brincar, que se quisessem matar-se a melhor maneira era essa. “Não há dor e a morte é absolutamente instantânea”, cansei de vê-lo garantir nas rodas musicais de Lelena Cardoso, em Ipanema.
Aliás, morrer é sempre um escândalo, glorioso ou não. O suicídio talvez retire da tragédia que é morrer o seu visgo e agonia. Ninguém morre aos poucos num veraz suicídio. Morre-se de vez, fuzil limpo. Há menos desespero no suicídio do que nas longas agonias, a clamar por eutanásia.
Rafael Rabelo, o violonista-irmão; Rita Pavão, minha doce “ballerina” que dançou “Bolero’s Bar”, com uma graça de passarinho; Antero de Quental, poeta-ícone, dois tiros na boca num banco de jardim. Todos inexplicavelmente na glória do existir, disseram não ao sim, com desusada violência. Sonegaram, a si próprios, céus e poentes que continuarão a existir sem eles…
A morte da menina foi estampido que dilacerou a manhã, a pôr ainda mais melancolia nesses dias marcados por perdas de quem, de outro lado, lutou valentemente por viver -de Leninha Vilella Mazza e Renato Schaitza ao eterno dr. Francisco Cunha Pereira, meu “padrinho”. Ê vida. Ê tempo de viés! –
29|3|2009