Em todos os filmes do Zorro, de Douglas Fairbanks e Tyrone Power a Antonio Banderas, a derrubada do governo que oprime e explora o México só precisa que o herói vare com sua espada o chefe de polícia, depois de lhe fazer um Z na testa, e o povo, portando archotes, derrube os portões da hacienda do governador corrupto e de sua família e prenda todo mundo. É empolgante, mas a ideia de que uma hacienda podia servir de metáfora para simbolizar um país sempre me soou implausível.
Pensando bem, não é assim tão implausível. O Brasil de Jair Bolsonaro é como uma grande hacienda. Pode estar dividida em um ou dois palácios, Planalto e Alvorada, e outras tantas mansões à beira do lago dos bacanas, compradas com dinheiro vivo por seus filhos e ex-mulheres. Mas o espírito da coisa é o mesmo. O governo é uma operação familiar, com a máquina pública a serviço de seus interesses particulares —poder, propriedades, prestígio, prazeres, impunidade. E, se você já se revolta com os absurdos que se perpetram à luz do dia, tente imaginar o que acontece nos intestinos do poder e de que não ficamos sabendo.
Mas às vezes ficamos. Nesta quarta-feira (23), a Folha levantou uma manobra de uso de um órgão federal, acionado por um filho de Bolsonaro, numa estratégia jurídica visando a desmontar as investigações do caso das “rachadinhas”, de que ele é acusado há anos. A manobra consistiu em ocupar por quatro meses de 2020-21 uma equipe de servidores da Receita Federal para tentar melar o processo e identificar, por nome e CPF —com que intenções?—, os auditores que conduziam as investigações.
Imagino que o uso de funcionários graduados, pagos com nossos impostos, para sabotar investigações de assuntos que nos dizem respeito seja algo de muito grave. Mas para isso servem os intestinos, não? Para processar merda.
Cedo ou tarde, eles explodirão. E, quando acontecer, mantenha distância da hacienda.