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Afasia

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As drogas

A primeira vez que vi e experimentei maconha tinha 19 anos, saí da periferia de Sampa, fui ao bairro nobre do Brooklin, embarquei no carro de um amigo, pegamos o contato no bairro da Luz e fomos à Vila Brasilândia, no barraco do traficante, onde fiz meu batismo de fumaça. Era um 31 de dezembro. Pegamos uma pacoteira, continuamos fumando no carro, e numa parada para que meu amigo comprasse cigarro, o contato entrou em pânico porque uma viatura da PM passou perto. Ele queria que eu assumisse o volante e fugisse. Eu só havia dirigido bicicleta, patinete e carrinho de rolimã. Naquela passagem de ano, à meia noite um grupo formado pela dupla de amigos e mais uma menina estávamos num quiosque na estrada velha de Santos comendo frango assado frio e tomando cidra. O fim da viagem foi a praia de Pernambuco, no Guarujá, onde tomamos banho de mar, nús, e voltamos. Só quando cheguei em casa, na manhã do dia seguinte, ao bater na porta e ser atendido por minha tia, com quem morava, me toquei que estava completamente chapado.

Vinte e um anos depois entrei pela terceira vez numa clínica de recuparação de dependentes. Tinha feridas grotescas nos braços e manchas negras, na minha trajetória de usuário de cocaína na forma injetável, tinha só não furei veias do pescoço, da testa e não apliquei diretamente no coração, ou da femural. Pouco antes da maconha tinha experimentado pela primeira vez álcool, na forma de cerveja. Na família, os três homens são alcoólatras. Zé Luis, meu pai, está no céu. Meu irmão retomou o rumo da própria vida há 17 anos. Eu não me drogo há 16.

Aqui não tem discurso moralista. Como diz meu irmão e amigo Luiz Solda, cada um faz com o corpo o que bem entende. E muitos amigos eu perdi porque eles fizeram isso e depois não entendiam mais nada e não conseguiram sair. Livre expressão é um termo bonito, mas joga-se no meio de uma barafunda onde mais confunde-se do que explica-se, mesmo porque pouquíssima gente sabe até onde o buraco do uso de substâncias psicoativas vai dar. E este buraco, podem ter certeza, não tem fim.

Liberar as drogas é discutível. Prender viciados é uma barbaridade. A dependência é uma doença. Nem todo usuário de droga é dependente. O universo de bebedores mostra isso. Há “cheiradores sociais” também. Assim como há dependentes de maconha – e aqui nem vamos tocar naquele ponto de que uma droga leva à outra, pois isso é ponto pacífico, assim como quem é dependente de uma droga é de todas, principalmente as que não conhece, como sempre falo nos seminários que faço como voluntário da clínica Quinta do Sol, onde estive internado em 1994 (os outros foram o hospital Helio Rottenberg, Pinel, e a Moinhos de Vilhena, que não existe mais).

A balela de que a maconha não faz mal por que é da natureza é tão crível quanto alguém dizer que tomar álcool Zulu 90 graus também não faz porque vem da cana de acúcar, que é da mamãe natureza. Viciados em qualquer droga têm entre eles. O alcoólatra em fase terminal, depois de sair de um delirium tremens, que se arrastam por conta da polioneurite e têm os “pés de elefante”, sempre dizem que jamais fumaram maconha ou crack ou cheiraram cocaína ou tomaram anfetaminas na vida. A recíproca é igual. Dependentes químicos têm “dó” dos alcoólatras.

O caldo cultural engrossa esse angu tenebroso. A maconha e o álcool, assim como tabaco foi incensado pelo cinema americano durante décadas, sempre com o patrocínio de uma das mais lucrativas indústrias da morte do Planeta, é associada à criatividade, a uma outra maneira de ver a vida, como se isso fosse possível. A ilusão do bem estar, de abrir as portas da percepção, é uma coisa mágica. Se droga fosse ruim, ninguém experimentava. O problema é que, como diz a letra do grande Nelson Ned, que destruiu a carreira com a cocaína, tudo passa, tudo passará. Continue lendo

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Muro, muro, vasto muro…

muro-cruel

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1979

FUMO-2

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Os Livros do Prof. Thimpor

A Máquina Descalça – J. Forbes; Editora Ptolomeu; 226 páginas frente e verso; 226 reais (1 por página); capa grátis. Uma holandesa é raptada por seres extraterrestres e levada ao planeta 662 – ramal 23, onde permanece 132 anos como prisioneira das potentes máquinas pensantes que habitam o misterioso corpo celeste, do tamanho de uma laranja sem sementes.

Como prisioneira dos estranhos seres, a holandesa não diz uma só palavra e, até que as máquinas cheguem à uma conclusão, permanece sentada sobre um exemplar da revista “GutGut”, distribuída nos banheiros públicos de Londres. Quando finalmente resolve abrir a boca e dizer algo, uma das máquinas, semelhante à uma lavadora automática cheia de roupas sujas lhe desfere um pontapé no traseiro, ato imediatamente revidado pela holandesa, que fica com o pé inchado durante o resto de sua permanência naquele planeta.

Devolvida à Terra, ela é encontrada por um povo extremamente desenvolvido, recebendo sessões diárias de acupuntura até que, lendo o jornal de domingo, encontra um emprego de peneira e foge de tudo.

A narrativa forte de J. Forbes evoca Isac Asimov da fase azul, com exceção da parte em que a holandesa sobe as escadas em direção ao WC da Diretoria. Para os leitores da moderna ficção científica com problemas no trato urogenital, um livro perfeito.

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O Anjo Andarilho

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‘Coisa’ está entre as coisas mais deliciosas do mundo

Coisar é verbo de quem está com pressa, tesão ou tem lapsos de memória

Sempre passo nervoso quando leio minha crônica neste jornal e percebo que escapuliu a palavra “coisa” em alguma frase. “Preciso aumentar meu repertório e não entregar a coluna correndo toda vez”, concluo. Acontece que “coisa” está entre as coisas mais deliciosas do mundo. E precisamos de regalos assim, tanto na vida como na escrita.

Minha filha, por exemplo, quando chega cansada da escola, só quer se comunicar na língua da coisa. Deita no sofá, preguiçosíssima, e começa: “Mamãe, aquela coisa, lembra? Pega pra eu poder coisar essa coisa aqui?”. Ai de mim se não entender! Com razão, ela fica frustradíssima.

Na terapia, se insisto que tem alguma coisa que me pegou na fala de alguém ou que estou sentindo uma coisa no corpo que ninguém encontra em exames de sangue ou de imagens, sei que cheguei à caixa-preta do avião que tento manter sem despencar desde que me senti coisada pela primeira vez.

Dizendo uma coisinha besta qualquer, meus amigos já me salvaram inúmeras vezes de coisas horríveis que passaram pela minha cabeça. O primeiro banho da minha filha foi embalado pela minha voz dizendo, ao fundo, “cuidado, ela ainda é uma coisinha tão pequena”. “Viu só que amor? Nunca vi coisa assim.” O amor que não dá conta de explicação é “a coisa” em seu esplendor e excelência.

“Alguma coisa acontece no meu coração” é a frase mais bonita que alguém já disse sobre São Paulo. Acredito que muitos escritores passem os dias tentando definir “a coisa” com sagacidade, elegância e erudição. O Houaiss inteirinho é uma tentativa bastante válida de dar conta da coisa toda. Às vezes, por ato falho ou aptidão em ser coloquial, apenas me rendo à exatidão sonora e escrita da palavra “coisa”, acreditando que é o melhor que posso fazer pela arte e pelo mistério da vida.

Hoje, no supermercado, perto do Diabo Verde, eu vi “o coiso” —nada define melhor um namorado ruim do passado do que chamá-lo de “coiso”. Se algo não sai do jeito que queremos (e sabemos que ser mimado é uma praga), só nos resta lamentar, sem muita personalidade ou definição: “Que coisa!”.

E quando Caetano, citado aqui pela terceira vez pra defender a dimensão poética da coisa, diz “coisa linda”, nós sabemos que nenhuma palavra definiria de forma mais profunda e literária o quão bela e amada uma coisa pode ser.

Fui assaltada no começo deste ano a caminho do velório do pai do meu melhor amigo. Logo que cheguei ao cemitério, com caquinhos de vidro na roupa, no cabelo e até dentro do sutiã, uma amiga correu até mim e falou: “Menina, o que aconteceu? Vi você chegando com o carro todo coisado!”. E eu respondi: “Usaram alguma coisa pra arrebentar o vidro, pegaram o celular e mais alguma coisa que nem sei”. Assim que percebemos que estávamos falando a língua da coisa, começamos a rir, apesar do velório e do susto. “Cada coisa que acontece com a gente!” Em meio ao caos, há coisas, literalmente, que vêm pra nos alegrar.

Outro dia fiz uma vitamina pra minha filha que coisou. Não deu certo. Eu estava ansiosa para que a noite chegasse logo e eu pudesse fazer certas coisas ou coisar —agora num sentido nada infantil, ainda que os bebês nasçam dessas coisadas que a gente dá.

“Coisar” é verbo de quem está com pressa, tesão ou tem lapsos de memória. É pra quando “mexe qualquer coisa dentro doida”. E que coisa magnífica poder se expressar tal qual Caetano Veloso, minha filha ou um jovem que fumou tanta maconha que parou de achar que a dor na cervical é a coisa mais infernal do mundo.

Agora chega, porque “esse papo já tá qualquer coisa” e eu já tô “pra lá de Marrakech”.

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No Sal Grosso, em algum lugar do passado: Clarah Averbuck, Pablito Pereira e Cláudia Becker. Foto do cartunista que vos digita.

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© Jan Saudek

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Tina

Tina Modotti.  © Edward Weston

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Korinne Peterjik. ©Zishy

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Após Sabesp, Tarcísio planeja privatizar filas e palavra bolacha

Raio privatizador vai muito além das grandes estatais.

São Paulo está oficialmente à venda. Desde que foi eleito governador do estado, Tarcísio de Freitas caminha a passos largos para privatizar as estatais paulistas. Nesta semana, sua gestão fechou, sem licitação, dois contratos milionários com a agência IFC para consultoria sobre a privatização da Sabesp e da CPTM.

O governador já havia dado sinais de empolgação com a privatização ao martelar um púlpito, com uma euforia desproporcional, no leilão do trecho Norte do Rodoanel.

A necessidade de privatizar absolutamente tudo se tornou uma espécie de tara entre os “liberais”. Alguns podem atingir o orgasmo em poucos segundos só de ouvir a expressão “iniciativa privada” e sentir um cafuné da mão invisível do mercado. Tarcísio quer ter muitos orgasmos, todos múltiplos.

A coluna apurou que o “raio privatizador” vai muito além das grandes estatais. Fontes do Palácio dos Bandeirantes revelaram que, além da Sabesp, outros bens públicos estão na mira do governador.

O elevado Costa e Silva, conhecido Minhocão, será vendido ao setor privado e se chamará Big Worm Park. O governo também pretende privatizar todas as piadas relacionadas ao viaduto, como “o motorista pegou o Minhocão” e “vai dar ré no Minhocão”.

Grande patrimônio do estado, a interjeição “meo” será entregue à iniciativa privada, que pretende cobrar R$ 30 de todo paulista que disser a expressão. Economistas preveem lucros recordes com a cobrança de paulistas como Fausto Silva e Marcos Mion.

O governo pretende privatizar um grande programa turístico paulistano, o “Golpe do Mercadão”. A vítima terá que pagar ingresso para sofrer o golpe, além dos R$ 78 por uma pitaya, o que seria um golpe em cima do golpe.

Cartão-postal da cidade, a “fila em gelateria” está na fila para ser privatizada pelo governo. O cidadão que escolher o sabor do sorvete só quando chega na boca do caixa também será vendido, por atrasar a economia. O governador vai aproveitar e vender o sufixo “ria”, de “pãodequeijaria”, “buracoquenteria” e “roteiraria”.

Por último, Tarcísio vai entregar o verbete “bolacha” à iniciativa privada. Já a palavra “biscoito” continua como patrimônio público, para ser usada livremente em território nacional, porque, para o governador, é a forma correta.

Publicado em Flávia Boggio - Folha de São Paulo | Comentários desativados em Após Sabesp, Tarcísio planeja privatizar filas e palavra bolacha
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tenho medo

da guerra eminente
(e de pastel de camarão)
do bandido da luz vermelha
(e de febre amarela)
de câncer e unha encravada
(e do serviço de proteção ao crédito)
de ser surpreendido pela morte
(e das almas do outro mundo)
de ser treinador da seleção
(e de acordar transformado em barata)
do imposto predial e territorial
(e dos políticos corruptos)
das virgens que nos seduzem
(e de todos os males do coração)
de ser atacado pelas costas
(e de enfrentar a vida cara a cara)
das medidas de emergência
(e de contatos imediatos)
das vírgulas e reticências
(e do verso de pé quebrado)
dos filmes de terror
(e de transfusão de sangue)
das mulheres que abandonam seus maridos
(e dos maridos abandonados)
da fúria dos oposicionistas
(e dos motoristas que dirigem na contramão)
dos desmentidosdo porta-voz
(e de anestesia geral)
de ser aniquilado por um mal súbito
(e de ser assaltado por uma dúvida)
das prestações da casa própria
(e da fúria da torcida organizada)
do controle de natalidade
(e da explosão demográfica)
de me perder na multidão
(e de ser confundido com o ladrão)
de ficar sozinho com o defunto
(e de fazer o papel de vilão)
de todos os ministros
(e de duplicata vencida)
de uísque falsificado
(e dos falsos profetas)
de revólver engatilhado
(e das negociações para o cessar-fogo)
do silêncio no grande canyon
(e do barulho no andar de cima)
de dormir com o cigarro aceso
(e do turco que tentou matar o papa)
de quarta-feira de cinzas
(e de bife mal passado)
do castigo que vem a cavalo
(e da sorte que está lançada)
das vítimas das enchentes
(e da solidariedade da população)

(1980)

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