Febre amarela – Faça o que eu digo e acabou-se o que era amargo

Aos trinta e poucos minutos do segundo tempo entrou em voga dar a mão dos outros à palmatória. Você tem que fazer assim, tem que viver assado, tem que trabalhar cozido, tem que andar na rua frito. O caminho que segue é errado, o boteco que frequenta é torto, o carro que usa não presta, a mulher que arranjou é jararaca. Se todos os caminhos levam a Roma, o seu é o único e sujo beco sem saída. Pode espernear, mas está redondamente enganado até na marca de lenço que usa. Usa lenço, ainda? Puuf! Criou-se no ar a polícia moral e vivencial cujos membros são sempre os outros. Vigiando seus passos até na mais recôndita intimidade: a alma. Um diz que sua conduta moral é sempre horrorosa. Esqueceu Deus ou, muito pior, a religião. Porém, a certa nunca é aquela que você poderia escolher, mas a dele. Aquela que remodela os pensamentos dá nova visão do mundo, faz abrirem-se as portas do Céu. Não, não escolha aquela daquele pastor que só pede dinheiro.

A minha não pede: dou porque quero. Ah, me poupe! Bateu fundo a febre amarela do protecionismo moral, religioso, vivencial. O mosquito-vetor zumbe no seu ouvido dia e noite. Antes era só à noite, no escuro do quarto, que um reles pernilongo sugava o seu sangue. Agora o mosquito ataca em pleno dia. Pode se olhar no espelho. Seu rosto amarelo pálido denuncia a falta de caráter certo, de religião certa, de time certo, de saúde certa, de voto certo, de caminho certo, de filme certo, de livro certo, de moral certa, de conduta certa, de ginástica certa, de sexo certo, de comida certa. O que é certo é sempre ditado por outro, claro. Está tudo errado na sua vida. Não tem mais salvação se não for pela minha mão.

Cada um se acha um Cristo e, para você ir a Deus, só pelas mãos certas dele. Todo mundo quer ser Cristo, menos na hora da crucificação. Eu só quis ajudar! Preceitos morais são espalhados às mancheias sobre o mundo. Os livros de auto-ajuda corroeram de tal modo nosso pobre mundo que qualquer um agora é profeta… para a vida dos outros. Damos de dedo até nos médicos que nos atendem. Ei, não é assim que se ausculta um coração, doutor! Me dê o estetoscópio que eu grudo nas suas costas e peço: diga 33! Garanto que tenho um remédio para o senhor, doutor!

*É auxiliar de serviços gerais e especializados em todas as marcas.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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