Sessão da meia-noite no Bacacheri

Burnt-cópiaO chefe de cozinha Adam Jones (Bradley Cooper) já foi um dos mais respeitados em Paris, mas o envolvimento com álcool e drogas fez com que sua carreira fosse ladeira abaixo. Após um período de isolamento em Nova Orleans, ele parte para Londres disposto a recomeçar a carreira e conquistar a sonhada terceira estrela no badalado guia Michelin de restaurantes. Para tanto ele conta com a ajuda de Tony (Daniel Brühl), que gerencia um restaurante na capital britânica, e recruta uma equipe de velhos conhecidos.

Pegando Fogo|1h42min|EUA|John Wells|Paris Filmes|2015|

O título brasileiro de Pegando Fogo é capcioso, sugerindo uma certa picardia tendo por base a beleza de Bradley Cooper. Não é o que acontece. “Burnt”, no original, tem mais a ver com o momento de vida de Adam Jones, um cozinheiro consagrado que anda queimado no meio devido ao envolvimento (e excesso) no álcool e drogas. Consciente de seu momento, o próprio Jones se penitencia ao se manter em um trabalho bem aquém de seu potencial, abrindo ostras em Nova Orleans. Até que, um dia, decide voltar.

Pegando Fogo – FotoÉ curioso notar como o diretor John Wells (Álbum de Família) constrói seu personagem principal como uma espécie de cavaleiro solitário, com sua jaqueta de couro a bordo da motocicleta estilosa, prestes a resgatar velhos conhecidos para ajudá-lo na tarefa maior de montar um novo restaurante – uma versão moderna do início de Os Sete Samurais, por assim dizer. Cada um deles vive uma espécie de carma pessoal, também pagando pecados antigos ou simplesmente não recebendo o devido reconhecimento. São outsiders, loucos por uma oportunidade de mostrar seu valor, o que explica a devoção a Adam Jones. O que não significa também que o convívio com o chefe será dos mais pacíficos.

Pegando Fogo, na verdade, é um filme sobre obsessão e autoconfiança. É graças a ambos que Jones chega a Londres disposto não simplesmente a recomeçar a carreira, mas a retornar ao topo de antigamente. Seus planos são grandiosos, sempre buscando a excelência e a consagração – e, naturalmente, quem mira tão alto contando apenas com o próprio talento como trunfo não é nem um pouco modesto. Se por um lado este misto de autoconfiança com arrogância é um traço marcante do personagem principal, que trará reflexos de várias formas em sua vida, por outro também dificulta bastante que o público torça por ele. Adam não é aquele tipo de pessoa que cobra firme, mas afaga nos bastidores – ele quer tudo sempre perfeito e, para tanto, não se incomoda nem um pouco em gritar e jogar tudo para o alto quando necessário. Trata-se de uma espécie de Gordon Ramsey, mas não tão bravo.

Pegando Fogo – FotoPor outro lado, é justamente a dinâmica quase ditatorial em uma cozinha de alta gastronomia o que há de melhor no filme. Não propriamente pelos pratos que volta e meia surgem na tela, belos e apetitosos, mas pelo ritmo de produção mirando não apenas a quantidade, mas também a qualidade. A rivalidade entre chefs também tem seu espaço, por mais que em certos momentos a direção opte por analogias visuais óbvias sobre quem é o “mocinho” e quem é o “bandido”, como se o espectador precisasse de uma cartilha para identificar o “herói”. Desnecessário. Assim como boa parte das subtramas que surgem no decorrer da narrativa, como a envolvendo Alicia Vikander e a cobrança dos traficantes franceses. Todas pouco acrescentam ao filme como um todo e, ainda por cima, distraem o público do que o longa realmente tem a dizer.

Pegando Fogo não é um grande filme, mas entrega ao espectador um panorama interessante sobre os bastidores de um restaurante de elite. É claro que há simplificações, especialmente em relação à rapidez com a qual tudo acontece, mas trata-se de um facilitador aceitável dentro da dinâmica necessária. Por mais que conte com a aparência de Bradley Cooper para chamar a atenção do público, não há no filme uma exploração maior de sua beleza e poder de sedução – a não ser em uma cena até boba envolvendo Daniel Brühl, reveladora sobre o relacionamento dos personagens. Brühl, por sinal, mais uma vez se destaca ao desenvolver um sotaque bem particular, assim como já havia feito em Rush – No Limite da Emoção. Ambos não chegam a brilhar, mas cumprem de forma competente o que seus papéis pedem – assim como todo o restante do elenco. Razoável.

Cavaleiro Solitário

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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