O poeta

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Foto de Pablito Pereira.

Eu confesso que nunca havia ouvido Beijo À Força, mas eleperguntava sempre: por que você não gosta do BAAF? Eu, copo de vodka na mão, estava mais interessado em The Selecter, Madness, The Clash, Bob Marley, Lee Perry, Specials, por aí. Dei de ombros para o BAAF e para o Marcos. Não gostava de punks, embora achasse o movimento importante para a época em que estávamos vivendo. Morávamos próximos e estávamos sempre em contato e, ironia, nunca pensei em cometer um poema junto com ele, já sabendo da sua intensa capacidade de fazer versos. Eu achava estranho o grupo do qual ele fazia parte, que compunha poemas a oito, dez mãos. Pensava eu: como fazer poesia aos montes, quatro ou cinco sujeitos, quando poesia é uma coisa muito particular?

As pessoas que o viam bêbado no Linos, não imaginavam que ele possuía família, irmãos, mãe e, para nós, era uma pessoa comum, normal, em quem se podia confiar e deixar os filhos sob seus cuidados.

Depois fiquei sabendo do seu interesse por Noel Rosa, a genuína música popular brasileira. Assis Valente, Orestes Barbosa, Adoniram, Lupiscínio Rodrigues e Chico Buarque. Uma noite, na casa dele, apareceu o pessoal do BAAF e eu pensei: chegaram os punks. Então Rodrigão (ou Walmor?) pegou o violão e a turma toda caiu na música popular brasileira. Mudou minha visão sobre o Beijo À Força, menos sobre o Foguinho, baterista do grupo, cuja mãe ligara perguntando se alguém tinha visto ele nos últimos três dias! Chá de sumiço. Bebíamos.

não posso dormir em casa

dormi na praça generoso marques
um pivete tentou me assaltar
acordei quando ele pegava as chaves
e correndo vinha o garçom do bar

o pivete fugiu atravessando a praça
e eu corri para a cabine telefônica
o garçom chegou intimando: “dessa não passa”
vai ter que acertar o gin-tônica

me segurou pelo braço e foi me levando
para o bar onde dei o cavalo-louco
na porta tinha um bigodudo esperando
eu pensei: que ele dê logo esse soco

“de você não quero nada, garoto
só o que é meu e não apareça mais
vir todo dia aqui e sair torto
tudo bem, mas sem pagar, jamais”

paguei e voltei pra Generoso
olhei – nenhum pivete pelo flanco
deitei e dormi com a mão no bolso
na estátua do Barão do Rio Branco.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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