2022 não é 2018 e pode ser 1974

A deificação de Lula arrisca eleger Bolsonaro

Quem viu o último grande evento da campanha de Lula, no dia 26 de setembro, podia achar que estava na cerimônia de entrega do Oscar, com um só vencedor, Luis Inácio Lula da Silva. Sentia-se no ar uma opção preferencial pelas celebridades. O evento destinava-se mais a deificar Lula do que a permitir que uma coligação de vontades derrotasse Bolsonaro.

Contados os votos, Lula prevaleceu, mas não conseguiu fechar a eleição no primeiro turno. Olhando-se para o mapa, vê-se que os candidatos apoiados por Bolsonaro ficaram na frente em todos os Estados do Rio Grande do Sul ao Espírito Santo. O mapa de 2022 guarda semelhanças com o do vendaval de 1974, quando o MDB elegeu todos os senadores do Rio Grande do Sul até a muralha da Bahia. (A semelhança é grosseira por parcial, porque desta vez as eleições no Rio Grande do Sul e São Paulo decidem-se no segundo turno.)

Em 1974 o favoritismo dos candidatos da ditadura era tamanho que Ulysses Guimarães em São Paulo e Tancredo Neves em Minas gerais preferiram ficar no conforto de sua cadeiras de deputado. Elegeram-se os pouco conhecidos prefeitos de Campinas e Juiz de Fora, Orestes Quércia e Itamar Franco.

Em 1974, dizia-se no palácio que Nestor Jost, candidato do governo no Rio Grande do Sul, devia ficar quieto, pois ganhara uma cadeira de senador. Ilusão, ela foi para o emedebista Paulo Brossard. Em 2022 o comissariado petista selou sua aliança com o ex-governador Márcio França dando-lhe a cadeira de senador e entregando à sua mulher a vice na chapa de Fernando Haddad. Contados os votos, França foi para casa, o astronauta de Bolsonaro elegeu-se senador e Haddad lutará no segundo turno.

A eleição do astronauta Marcos Pontes em São Paulo traz outro sinal. 2022 não é um replay de 2018 porque ele não é o Major Olímpio, que tomou a cadeira de Eduardo Suplicy. É verdade que em 2022 o boiadeiro Ricardo Salles conseguiu se eleger para a Câmara, mas seu bolsonarismo, mesmo sendo radical, é recente. Quem o trouxe para a política de São Paulo foi Geraldo Alckmin. Entre 2018 e 2022 o deputado federal Eduardo Bolsonaro perdeu um milhão de votos.

Alguns ventos de 2018 fizeram-se sentir, mas a força que os move está de certa forma ligada ao antipetismo. O ex-juiz Sérgio Moro elegeu-se senador pelo Paraná e sua mulher, deputada por São Paulo.

O comissariado e, sobretudo Lula, subestimaram o vigor desse sentimento. São muitos os eleitores que apreciaram a entrada de Geraldo Alckmin na chapa de Lula, mas não o acompanharam no mea culpa de dizer-se iludido por ter condenado práticas dos governos petistas.

Quando Lula diz que o segundo turno é uma simples prorrogação de um jogo ganho ele pode estar cometendo o último erro de uma campanha que começou bem e se perde num terrível instante, parecido com aquele em que a defesa da seleção brasileira de 1950 achou que o ponta direita uruguaio Alcides Ghiggia recebeu a bola e ia centrar. Ele avançou e fez 2×1.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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