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O casmurro “Frank Black Francis” anunciou:  “Creo que tenemos una buena razón para celebrar, entonces esta noche tocaremos 33 canciones para ustedes”. Assim, o Pixies começou o maior set list já tocado na história da banda, em mais um show antológico do grupo. Isso aconteceu na semana passada, em Santiago, comemorando com uma música para cada um dos mineiros libertados, o resgate do subterrâneo do deserto do Atacama.
Conheci Pixies ouvindo Doolittle, o segundo disco. Depois ouvi Surfer Rosa, o primeiro. E também o EP Come On Pilgrim. Depois, saí pelas galerias que vendiam vinis em Curitiba atrás de Bossanova. Todos aqueles discos clássicos com as capas originais dos designers Vaughan Oliver e Simon Larbalestier. Lembro, perfeitamente do dia que comprei Bossanova e pousei a agulha sobre a faixa 3 do lado A, Velouria: “Hold my head, we`ll trampoline, finally through the roof, on to somewhere near and far in time (…) Oh Velveteen!”. Ao que Black Francis cantava, ao que a voz da eterna musa Kim Deal cantava, estávamos atentos à cada palavra, àquelas lições bíblicas, ufológicas e surrealistas. Charles Thompson IV ou Black Francis e seu fiel amigo Joey Santiago formaram a banda na minúscula Amherst, na Universidade de Massachussetts. Lá eles conheceram David Bowie, Stooges, Ramones, Hüsker Dü, Pere Ubu, Dick Dale (nascido na mesma região). Francis estudou em Porto Rico e de lá trouxe na bagagem o espanhol usado no recente show de Santiago. Trouxe algumas canções inspiradas pela viagem também: Isla de Encanta (“donde no hay sufrimiento”) e Vamos, por exemplo. Os outros clássicos ele compôs durante o percursso das linhas do metrô de Boston. Lembro que Pixies era a banda que precisávamos descobrir. Era ela que colocaria as coisas de cabeça pra baixo. Que mudaria as proporções, pesos, direções, certezas. Finalmente, uma manifestação artística capaz de fazer a música popular voltar a respirar, como disse um dia Álvaro de Campos. Quando ouvi Doolittle pela primeira vez, sentado num canto forrado de carpete e papel de parede queimado, fitando o “atlântico” negro do vinil, ouvi o desespero de BF gritando sua paixão por Buñuel, Dalí e seu Cão Andaluz. Depois, seus dentes cerrados “talking sweet about nothing”, suas aventuras mórbidas ao redor do el nino (“could find my way to mariana”), a voz débil repetindo (um terrível Bob Marley reinventado) “hope everything is alright”,  e finalmente, a canção que considero uma das maiores interpretações da história da música popular: Hey (“must be a devil between us”). Quando Black Francis divide em dez partes a pergunta where have you been? para um segundo depois expelir a frase if you go i will surely die e dolorosamente concluir we`re chained, quando a música pop é capaz de fazer isso, um milhão de garotos abrem as portas de casa em direção à loja de guitarra mais próxima. Foi assim com aqueles garotos de Liverpool quando eles ouviram  Eddie Cochran, foi assim com Kurt Cobain quando ele ouviu Pixies.

Where Is My Mind? (aquela música do final do Clube da Luta) era a música preferida de Kurt. Ele compôs Smells Like Teen Spirit tentando copiar o estilo do Pixies, disse isso para a revista Rolling Stone um pouco antes de morrer em 1994: “Nós usamos o senso de dinâmica deles, suave e silencioso e depois barulhento e pesado”. Steve Albini, produtor de Surfer Rosa, foi chamado para produzir In Utero, segundo disco do Nirvana, com a seguinte orientação, soar tão intenso quanto o disco de estréia do Pixies. Em Coachella, Thom Yorke, do Radiohead, disse: “Essa foi a banda que mudou minha vida. Tocar com eles é como tocar com os Beatles”. Os Pixies também foram responsáveis pelo renascimento de David Bowie na década de 90. A consequência do seu amor pela banda são os discos conceituais como “Outside” e, em especial, um outro marco na minha vida: “Earthling” de 1997. David Bowie chegou a regravar Cactus no ótimo disco Heathen, de 2002.

Os Pixies descansaram uma década, morando na Califórnia. Kim Deal formou o The Breeders com sua irmã gêmea Kelley Deal e Tanya Donelly do Throwing Muses. Em 1993, criaram o clássico disco Last Splash. Kurt Cobain, de novo, elogiou a incrível atmosfera da banda e as convidou para abrir a tournée do Nirvana. Kelley Deal, alcóolatra e viciada em heroína desde a adolescência, foi presa com um pacote da droga enviada pelo correio para o seu endereço e o The Breeders também descansou.

Minha primeira experiência ao vivo com eles foi na Ópera de Arame, com o The Breeders quase derrubando aquele teatro de ferro e acrílico. Literalmente o chão tremia e o lugar parecia pronto para uma tragédia. Depois, inacreditávelmente, graças ao esforço de alguns amigos e da própria Kim Deal, os Pixies anunciaram que o segundo show de sua tour de retorno, logo depois de Coachella, seria exclusivamente em Curitiba! Naquela noite, uma névoa gelada cobria o lugar. Quando eles entraram no palco e começaram o show com Bone Machine, primeira faixa de Surfer Rosa, aconteceu uma comoção inigualável na história do shows que assisti. Fomos suspensos por uma onda de corpos e imprensados pela potência do som. A melhor frase para definir o que aconteceu foi cantada num coro inesquecível: “With your feet in the air and your head on the ground”. Menos de um mês depois, durante um período de apresentações de S&F na Europa, assisti de novo o show, agora em Paris. Uma coleção de B-sides não tocados no Brasil. Incluíndo Winterlong, de Neil Young, e Head On, do Jesus and Mary Chain. Mas o show da Pedreira Paulo Leminski será, para sempre, inesquecível. 

Felipe Hirsch (O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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