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Incrível “I Don’t Believe in Outer Space” de William Forsythe e sua companhia apresentado no Brooklyn Academy of Music. Antes, um bate papo com a ótima mediadora Marina Harss e o coreógrafo. Lá fora, neve em outubro! Sensação térmica de nove graus abaixo de zero e as ruas escorregadias de lama. Desde os dias em que Forsythe assumiu a direção de seu próprio grupo, ele vem fazendo espetáculos cada vez mais e mais pessoais e ainda mais capazes de tangenciar os sentidos das pessoas que os vêem e ir direto ao assunto emocional que nos cabe. Cheio de graça, com a música linda de Thom Willems, o som de Niels Lanz, os figurinos de Dietrich Kruger, a coreografia passeia, como ele mesmo disse, por suas influências populares, a mais evidente: Nova York nos anos 50, de West Side Story de Bernstein, Sondheim e Jerome Robbins. Na conversa anterior, Forsythe disse que esse talvez seja seu espetáculo mais pop. Mas isso ele também disse quando foi estupidamente vaiado em uma de suas passagens pelo Brasil. Com naturalidade, lembrou que continua pensando em inglês, apesar dos 30 anos morando entre Frankfurt e Dresden e falou do quanto seu trabalho não é baseado em improvisação e sim na criação coletiva e esquemas coreográficos. O curioso é que, devido a neve e a paisagem da do meu quarto em Tribeca, acordei pensando em West Side Story. Ricardo Fernandes de São Paulo me manda um carinhoso e-mail falando sobre Anne Teresa de Keersmaeker e, aqui, Forsythe e Yoko Ando falam de Beyonce e do suposto plágio, na conversa anterior e, abertamente, no palco. Coincidências e aproximações de mundos distantes.

Mas Nova York, apesar do frio intenso, ferve literáriamente nos interiores. Em lugares como a PowerHouse Arena em Dumbo ou na festa de 75 anos da New Directions. Na primeira, na última noite, Paul Auster lendo Sunset Park, na última, Nicole Krauss, Jonathan Safran Foer e…Lou Reed. Dia 31, data do Halloween, realizo o sonho de assistir o Ween pela primeira vez na minha vida. Banda preferida, ou quase isso, do meu amigo Rodrigo Barros Homem Del Rei. Será o meu HalloWEEN. Depois Feist. E, é verdade, Jay Z e Kanye West, ninguém é perfeito. Estou imensamente ansioso para ver a exposição sobre Jim Henson e os Muppets. E muito curioso pra ver o que a turma do South Park aprontou com Book of Mormons. Depois de quase lutar com toda a “OccupyWallSt”, consegui ingressos pra ver a entidade Jeff Mangum do Neutral Milk Hotel.

 Na minha frente no metrô, uma menina séria usa um arco de orelhas de gato na cabeça e não esboça nenhum sorriso. Serena, guarda suas risadas pra quando encontrar suas amigas. Na calçada, o cachorro de um japonês mija forte bem perto da perna de uma garota fina com ar de modelo, enquanto o garçom serve azeite na sua salada. Nova York é observada desde Will Eisner. Desde muito antes dele também. Pausa pra ver Kirsten Dunst no maravilhoso último single do R.E.M. chamado “We All Go Back To Where We Belong”. Uma coisa leva a outra, ouço Bastards of Young dos Replacements.

De lá da California, o quadro que não vi,  Lesure de Gerhard Richter, me chama. Mas conheci o caseiro Beat Museum e lembrei que Walter Salles acabou de rodar seu On The Road. Vai ser lindo. Quando disse para o responsável pelo museu que o conhecia e que recentemente estivera com ele em Veneza, o homem quase me deixou levar a camisa listrada usada por Neal Cassady. Se contasse mais histórias sobre o Walter Salles, ele me dava a de flanela do Kerouac. No café Trieste, tudo no mesmo tempo, desde quando Coppola escreveu algumas linhas do Poderoso Chefão por lá. O Vesuvio, Tosca, Specs, todos ainda com suas pinturas na parede e com cheiro de chão úmido. Esperam outra geração beat? São habitados por fantasmas? Pelos restos daqueles? Ou pelos filhos já velhos e perdidos? Não existe mais o mundo dos banidos da City Lights? Ou ele é o mesmo que ocupa Wall Street agora? Comprarei meus livros nas pequenas livrarias com indicações escritas carinhosamente nos cartões postados na frente das edições? Ou encomendarei na Amazon? (onde o sistema me indica automaticamente que se eu gosto de Krzhizhanovsky eu gostarei de Murakami). Já disse, fiquei emocionado com a exposição Under The Big Black Sun, nome do disco do X que amo, sobre a cena punk da costa oeste, no Espaço Geffen do Moca de Los Angeles. Ruscha, Jello Biafra e o Dead Kennedys, Pettibon e os discos do Black Flag, lá, no museu, meus amigos. Garoto, não precisa nem de Halloween. Você passará por alguns dias e quando mal perceber, já virou fantasma.

Felipe Hirsch (O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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