Inspirou longamente, com tanta força como jamais fizera. Então, num movimento melodramático, saltou no oceano. Estava gelado, percebeu nas primeiras braçadas. Selvagem, quase sacrílego. À medida em que mergulhava, libertava-se de todos os vínculos. Achou-se uma imensidade: a água era sua cidade. Teve início um desfile de criaturas fantásticas. O peixe-fantasma, o cavalo marinho das crinas de fogo e uma comissão de ninfeias vieram se exibir. Apresentou-se Netuno.
Estava sorumbático. Com ele, sua esquadra iniciática: libélulas portando incenso, polvos oferecendo mirra, enguias douradas; plânctons, seres perfumados, luminescentes (de estupendos olhos da cor fúcsia). Tantas lisonjas que, de repente, sentiu-se nua.
Recordou-se que amou. Sua echarpe carmim, o colar de ametistas, tudo que fosse paixão, qualquer coisa que gerasse frisson – aquele frêmito ingênito, aquele átimo sem fim. Era embalada por águas amnióticas, que iam e vinham, subiam e desciam, útero acima, ventre abaixo. Foi daí que, chegado o momento, luzes inesperadas revelaram a face do abismo. Encantada, chorou.
E foi um vagido tão cheio de vida, de um orgulho tão exasperante, que pareceu insulto. Acendeu então as estrelas, para que todos pudessem admirá-la, e – numa última pulsão – atirou o corpo nas ondas desarmoniosas, assimétricas, que vieram buscá-la. Voltava a ser mar.