Olhos da cor fúcsia

Inspirou longamente, com tanta força como jamais fizera. Então, num movimento melodramático, saltou no oceano. Estava gelado, percebeu nas primeiras braçadas. Selvagem, quase sacrílego. À medida em que mergulhava, libertava-se de todos os vínculos. Achou-se uma imensidade: a água era sua cidade. Teve início um desfile de criaturas fantásticas. O peixe-fantasma, o cavalo marinho das crinas de fogo e uma comissão de ninfeias vieram se exibir. Apresentou-se Netuno.

Estava sorumbático. Com ele, sua esquadra iniciática: libélulas portando incenso, polvos oferecendo mirra, enguias douradas; plânctons, seres perfumados, luminescentes (de estupendos olhos da cor fúcsia). Tantas lisonjas que, de repente, sentiu-se nua.

Recordou-se que amou. Sua echarpe carmim, o colar de ametistas, tudo que fosse paixão, qualquer coisa que gerasse frisson – aquele frêmito ingênito, aquele átimo sem fim. Era embalada por águas amnióticas, que iam e vinham, subiam e desciam, útero acima, ventre abaixo. Foi daí que, chegado o momento, luzes inesperadas revelaram a face do abismo. Encantada, chorou.

E foi um vagido tão cheio de vida, de um orgulho tão exasperante, que pareceu insulto. Acendeu então as estrelas, para que todos pudessem admirá-la, e – numa última pulsão – atirou o corpo nas ondas desarmoniosas, assimétricas, que vieram buscá-la. Voltava a ser mar.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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