A Casa de Chá que tenho, aqui na cidade de Kyoto, é muito frequentada. Só fecha na segunda-feira; aproveito a folga para escutar Chet Baker num vinil riscado e dormir até mais tarde. Acendo o abajur, juntas e confusas, as carpas no grande aquário no canto do meu quarto. Tantas vezes, tantas, como agora, eu as pego me olhando, as carpas devassando o que em mim tem sido pesada âncora de ferro. E o que pesa tanto na âncora? Não conseguir responder à seguinte pergunta:
— Se a vela já estava acesa antes que a primeira vela se acendesse, onde está o Buddah neste exato momento?
— Se a vela já estava acesa antes de estar acesa, então a carpa já estava molhada antes que a água a molhasse. Antes que houvesse cortina e vento, a cortina ondulava ao vento. Antes que houvesse os olhos, olhos já viam carpas, cortinas, aquário e viam a vela acesa antes de estar acesa. E que fogo é este que queima sem queimar? O Buddah, neste momento, está dançando em torno de um fícus: tem vezes é invisível o Buddah, que celebra as Bodas de Saïs em torno do fícus; outras vezes é uma folha o Buddah e dá cinco voltas em torno do fícus. O vento não deixa a folha cair no chão, mas faz com que ela adentre a capela de Santa Ana e paire na água da pia batismal.
— Mas que lugar é este onde a vela está acesa antes de estar acesa e a carpa molhada antes de estar molhada?
— Este lugar é quando eu contemplo pura e serenamente os objetos.
(Dedico à Iara Teixeira)