Em recente edição, o jornal francês Le Monde comparou o juiz Sérgio Moro ao legendário agente federal norte-americano Eliot Ness, que, à frente de um grupo policial de elite, denominado Os Intocáveis, conseguiu prender o gângster Al Capone.
A comparação faz sentido, mas há outra mais eloquente, que identifica o governo Dilma com o próprio Al Capone. Como se sabe, Capone, não obstante os crimes hediondos que cometeu, acabou sendo preso por fraude no imposto de renda, um delito menor.
A blindagem que seus advogados ofereciam em relação aos delitos penais o mantinha em liberdade, não obstante ninguém ignorar sua condição de chefe de quadrilha. Mas, não havendo ainda provas que o conectassem ao crime organizado – elas viriam depois -, partiu-se de algo mais banal
O governo Dilma está submetido a um processo de impeachment por infrações contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, as chamadas pedaladas, que configuram gastança ilegal, sem lastro, que exauriu o Tesouro e bagunçou as contas públicas. Delitos administrativos, gestão temerária.
Todos sabem, no entanto, que o que efetivamente pesa, contra seu governo e de seu antecessor, Lula, tem calibre moral bem mais grave: a rapina à Petrobras – e não apenas, mas a diversos cofres do Estado, numa escala colossal e sem precedentes.
Onde haja um cofre, houve roubo: Eletrobras, Receita Federal, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Dnit, fundos de pensão etc. etc. Os indícios são múltiplos, as delações premiadas entram em detalhes quase ginecológicos e já há uma penca de operadores – os despachantes do crime – devidamente presos e sentenciados. Entre ex-ministros e ministros que serviram a Dilma (alguns, como Antônio Palocci e Gilberto Carvalho, também a Lula), nada menos que 20 estão denunciados.
Seu líder no Senado, Delcídio do Amaral, está preso; seu maior aliado neste momento, o presidente do Senado, Renan Calheiros, tem seis inquéritos nas costas; Lula, seu inventor e mentor já foi chamado a depor na Polícia Federal por duas vezes; um filho de Lula, Luís Cláudio, corre sério risco de ser preso.
A relação é interminável. Não há como desvincular a presidente do escândalo da Petrobras, que esteve sob seu comando desde o início da Era PT, em 2003, quando chefiava o Ministério de Minas e Energia e presidia seu Conselho de Administração.
Além do testemunho de dois ex-diretores, Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró, que garantem que ela sempre soube de tudo, há o fato de que um improvável desconhecimento não a exime das responsabilidades que o cargo lhe impunha.
Conhecendo-se o perfil centralizador da presidente, não parece verossímil que tenha terceirizado decisões da importância da compra da refinaria de Pasadena, operação bilionária e altamente lesiva ao país. A roubalheira sistêmica na Petrobras – diferente da avulsa que vigorava antes – enchia bolso e cofres de políticos e partidos, de empreiteiros e empreiteiras.
Pelas delações premiadas, sabemos que desde a reeleição de Lula, em 2006, até as duas de Dilma, em 2010 e 2014, as campanhas milionárias foram nutridas com os pixulecos da Petrobras. Admitindo-se que nem Lula, nem Dilma sabiam das manobras – estamos no natal, época de cultuar papai noel -, a responsabilidade penal não deixa de existir
O ex-governador de Minas, Eduardo Azeredo, acaba de ser condenado a 20 anos de prisão por ter tido sua campanha à reeleição (que, inclusive, perdeu) fornida com recursos públicos desviados. Ele garante que nada sabia, mas isso não o isentou.
Antes, diversos prefeitos e governadores – inclusive o atual líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima – perderam o mandato em situações análogas: não sabiam o que tinham de saber. E os delitos que os condenaram se deram numa escala infinitamente menor, quase indolor, se comparados ao que se fez na Petrobras e em outras estatais, ainda não devassadas.
O conjunto da obra configura o que o ministro Celso de Melo, do STF, chama de “projeto criminoso de poder”. Associado à ruína econômica que resultou da Era PT, torna intolerável a continuidade do atual governo. Não são, pois, apenas as pedaladas que geraram o ambiente de repulsa da sociedade à presidente.
Se fosse apenas isso, que nem todos sabem exatamente o que significa, não iriam às ruas os milhões que foram, repetidamente, pedir impeachment e até intervenção militar.
As pedaladas dão a base jurídica mínima, até que a Lava Jato possa fornecer as conexões entre os que estão presos e os que estão no governo. Equivalem ao imposto de renda de Al Capone: ninguém duvida que há bem mais. Se à mulher de César não basta ser honesta, pois tem também de parecer honesta, o que se deve esperar do próprio César senão pelo menos o mesmo?