Nat King Cole merece ser lembrado pelo que cantou de moderno, não de xaroposo
Nat King Cole, o cantor americano, foi universalmente reverenciado no domingo último (17) pelo centenário de seu nascimento —ele, que morreu tão cedo, em 1965, a semanas de fazer 46 anos. A maioria dos textos citou as gravações pelas quais, segundo consta, ele será lembrado: “Nature Boy”, “Mona Lisa”, “Unforgettable”, “Blue Gardenia”, “Ramblin’ Rose”, “Pretend”, “Too Young” e até a incrível “Cachito”. Nada contra a música romântica, claro, mas precisa ser tão óbvia?
Pobre Nat. Faz parte da crueldade da indústria cultural que um artista seja lembrado pelo que deixou de mais xaroposo e comercial, como as canções citadas, e não pelo que produziu de vibrante e inovador. Nat merece ficar por muita coisa, a começar por dezenas de faixas dos anos 40, a bordo do King Cole Trio —piano e voz (ele próprio), guitarra e contrabaixo—, como “Lush Life”, “Straighten Up and Fly Right”, “Orange Colored Sky”, “Route 66”, “Walking My Baby Back Home”, “When I Take my Sugar to Tea”, ou apenas ao piano jazzístico, como “The Man I Love”.
Nat mudou a história. A formação peculiar de seu trio foi imitada por inúmeros trios em seu tempo e ajudou a “baixar o volume” da música popular. E, ao trocar os vibratos e fortíssimos por uma emissão cool ao cantar, ele foi o primeiro cantor moderno de que se tem notícia.
Aconteceu que, por seu potencial junto ao grande público, Nat foi obrigado pela Capitol, sua gravadora, a abandonar o piano e o trio e ir cantar de pé, na frente do palco, acompanhado por grande orquestra. A Capitol o asfixiou também com milhões de cordas e o fez cantar de tudo, de boleros a música country. Mesmo assim, por todos os anos 50 e 60, Nat gravou LPs excepcionais, com arranjos de Nelson Riddle e Billy May. Aliás, foi ele quem sugeriu a Sinatra trabalhar com Nelson Riddle —o que também mudou a história.
“Graças a Deus por Nat King Cole”, disse alguém. O que Lhe deve ter custado mais de um dia, acrescento eu.