Frisson de mirabô

[A prisão de Michel Temer] “despertou, mesmo em seus adversários políticos, como muitos dos subscritores deste documento, a certeza de que é necessária a cessação do uso da lei para fins políticos, com o fito de manipular a opinião pública”.

Do manifesto assinado por luminares do direito, advogados, professores, autores e militantes de variados teores de composição petista contra a prisão de Michel Temer. Não fosse aquele “fito de”, aqui no Insulto puxaríamos da Bic para lançar um floreado jamegão, até com os três pontos do triângulo maçônico.

Sim, da Bic, caneta proletária, democrática, usada tanto por Bolsonaro Zero-zero quanto Bolsonaro Zero dois. Nunca, jamais, com a Montblanc emergente e arrivista de – quem mais? – Michel Temer, com certeza já arrolada como de origem duvidosa na apreensão da Polícia Federal. Aquela caneta do mal, usada na posse e na carta do alea jacta est.

É quase impossível resistir à comichão cívica de assinar o manifesto. Afinal, vem de gente famosa, bem sucedida, limpa, limpíssima, nada que justifique sua defesa dos presidentes presos na Lava Jato, Lula e Temer, que, pelo que dizem destes os grampos, as fofocas, a polícia, o ministério público e os juízes catões, estão indelevelmente sujos, ofendem paus de galinheiro.

Coragem na defesa intransigente, sem quartel, como reentra na moda, da ordem jurídica e dos direitos humanos presidenciais. Que nos remete ao Marquês de Mirabeau, da Revolução Francesa, que rebatia os adversários defendendo-lhes o sagrado de discordarem dele. A lembrança de Mirabeau provoca um frisson, arrepio, em francês de mocinhas do Colégio Sion.

Tem e terá gente chamando os juristas de oportunistas e cínicos: criticam a prisão de Temer porque não podem defendê-la. Se aplaudissem a prisão, como fazem os bolsoignaros, cairíam em contradição, a tal contradictio in adjecto, como gostam de escrever em seus textos, letras capitais: se Lula está preso, tem que prender Temer. Não, senhores, seria simplista.

Os luminares não são simplistas nessa hora, como quando denunciaram o golpe contra Dilma. Digeriram a incoerência depois de apoiar o golpe contra Fernando Collor e renegar o golpe contra Dilma. Ah, Collor, neo-aliado de Lula. Esse Collor cujas acusações fariam dele um trombadinha perto das acusações a Lula e Temer. O caminho agora é outro.

A coerência adquirida a duras penas manda defender Temer e escrachar o juiz que o prendeu, para libertar Lula. Se lessem este texto e conseguissem atingir a terceira linha, as entidades da primeira família assina-lo-iam, como diria Michel Temer. Assinatura digital, tanto a informática quanto a datiloscópica.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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