Saudade do Mensalão

A gente vivia em uma poesia. E não sabia.

Saudade do Plano Cruzado e do Caçador de Marajás cassado.

Saudade do topete gracinha e da Lilian Ramos sem calcinha.

Saudade do Partido Democrático Social, da Social Democracia Brasileira e até do Ey, Ey, Eymael, um democrata cristão.

Saudade do neoliberalismo, da globalização, de ver indo embora o fantasma da hiperinflação.

Saudade da Privataria Tucana e dos importados a preço de banana (menos para o FMI).

Saudade da República do nhem-nhem-nhem, do Sivam, da Sudam e da Sudene.

Saudade do que a gente não viveu. Do Ciro falando palavrão e do Boulos invadindo o seu coração.

Do Cabo Daciolo abusando da paciência de Deus, do Alvaro Dias abusando do botox.

Sobretudo, Sauddad.

Saudade do P no MDB e do Alckmin sem precisar pedir emprego na TV.

Saudade da marolinha e da cachacinha, do mensalinho e do pedalinho.

Do metalúrgico que gostava era de fazer amizade com figurão, do porteiro indo a Nova York com a Danuza Leão.

Saudade da criatividade. De querer ser amiga das pessoas que inventaram nomes de operações como Carne Fraca e Fatura Exposta.

Saudade da inocência. De quem achava que o nome do Eike estava naquela coleira em nome da decência.

Saudade do esquecimento. De não saber, por exemplo, o nome dos filhos de um presidente eleito.

Saudade de o nosso maior problema ser a esquerda não fazer autocrítica e a direita não fazer autoescola.

Saudade de boquete na Sala Oval, do Bush querendo estudar latim para falar com a América Central e do Obama espionando geral.

Saudade de falar presidenta. Do legado de “antes, durante e depois”, desaudar a mandioca, das mulheres sapiens, de estocar o vento e de dobrar a meta.

Saudade do pibinho e de um papelzinho atingindo gravemente o José Serra.

Saudade das aspas do “vice decorativo”, da “Ponte para o Futuro”, da “Anônima Intimidade”, da “casa mal-assombrada”, das visitas “na calada da noite” e de “ter que manter isso daí”.

Saudade dos amigos de direita “perdoando”, com o Supremo e com tudo, o cartel do Rodoanel, a máfia da merenda, a pasta rosa da Febraban, o primo do Aécio.

Saudade dos dólares na cueca, no apartamento e na mala no estacionamento. Saudade de ter mais medo da alta do dólar do que de sofrer uma baixa por dizer o que pensa.

Saudade do tríplex no Guarujá, do sítio em Atibaia e até da Casa da Dinda. Saudade de coxinha tendo que comer coxinha durante campanha e de candidato usando roupa laranja para dizer que vai acabar com os laranjas.

Agora abusando da rima pobre (pelo menos a rima não rouba), te peço perdão, mas do Cunha não tenho saudade não.

A gente vivia em uma poesia. E não sabia. Saudade do mensalão, do petrolão, do centrão, da inflação. No tocante ao presente, o que resta é saudade até daquela corrupção.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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