A eleição municipal serviu para repor Jair Bolsonaro em seu papel original de deputado do baixo clero. A influência eleitoral do presidente revelou-se até negativa, com candidatos perdendo força de captação de votos logo que os eleitores se aperceberam da sintonia com este sujeito que antes de virar presidente era na Câmara um político desagradável, o conhecido “espalha rodinhas”, que fazia todos saírem apressados quando ele chegava.
Bolsonaro é o grande derrotado desta eleição municipal. Sua acachapante derrota é comprovada por apoios diretos dados por ele, que foi atrás de briga nos municípios depois de ter declarado que manteria a neutralidade nesta eleição. Como não conseguiu ficar quieto no seu canto revelou também eleitoralmente o dote impressionante de arrasar com tudo o que toca.
Ele foi o Bolsonaro de sempre, um sujeito sem noção que vive criando batalhas desnecessárias e buscando medir forças até em situações em que a comparação é absolutamente estúpida, como faz com suas maledicências gratuitas contra a China e noutras conversas idiotas, como fez com a ameaça de usar “pólvora” para resolver divergências com Joe Biden, o novo presidente dos Estados Unidos.
Com esta ideia delirante de conflito, sem necessidade alguma o capitão que foi obrigado a sair do Exército colocou as Forças Armadas numa situação humilhante, expondo a condição militar muito inferior do Brasil frente ao maior poderio militar do planeta.
Com a mesma afobação ele entrou nas eleições municipais. Mas neste caso pelo menos ele prestou um bom serviço à democracia brasileira, expondo de um modo explícito algo que poderia ter se mantido apenas como suspeita: sua interferência não agrega força eleitoral, podendo ter inclusive efeito contrário. Em vez de levantar, Bolsonaro puxa pro fundo.
O exemplo mais interessante foi o da Delegada Patrícia, candidata à Prefeitura de Recife, que recebeu um telefonema de Bolsonaro oferecendo apoio político. Parece que ele não compreendeu muito bem as condições da popularidade do governo no Nordeste turbinada pelo fugaz aumento de renda dos mais pobres com o auxílio emergencial, o chamado coronavoucher.
O sujeito que não conseguiu sequer coletar assinaturas suficientes para o registro de seu partido ligou para Recife. “A esquerda está para ganhar, quero te apoiar aí. O que importa é derrotar a esquerda”, ele disse para a candidata do Podemos. Bolsonaro se referia à João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT). Patrícia crescia nas pesquisas, parecendo que iria ao segundo turno com Campo. Depois que aceitou o apoio, a alta rejeição de Bolsonaro na capital pernambucana a fez cair nas pesquisas.
Com Bolsonaro na parada, Patrícia perdeu o apoio do Cidadania, que havia retirado a candidatura própria para apoiá-la. A petista Marília Arraes e Campos é que foram para o segundo turno. Claro que depois dessa, se chegar até 2022 o bravo apoiador terá que pelejar para arrumar parceiros de luta em Pernambuco.
Na disputa para a prefeitura de São Paulo, com maior ressonância política e também atrapalhando quando pensava determinar o rumo da eleição, Bolsonaro animou-se em formar dupla com Celso Russomanno, que adotou o discurso do presidente e viu sua candidatura despencar nas pesquisas com uma rapidez que nunca havia experimentado.
Russomanno costuma ser rejeitado pelo eleitor quase na hora do voto. Agora abraçado a Bolsonaro, ele ficou para trás já na largada e por poucos votos não acaba em quarto lugar. Com Russomanno foi possível observar também a falência do discurso que levou Bolsonaro ao poder e o efeito político da irresponsabilidade criminosa do presidente quando à pandemia. Russomanno adotou a posição de Bolsonaro, mudou rápido de discurso quando sentiu reação negativa da população, mas não conseguiu consertar o estrago.
O ponto positivo foi que revelou-se bastante cedo que o descaso com a Covid-19 vai ser cobrado pela população. Aconteceu a mesma coisa em vários estados, com a derrocada de candidatos apoiados por Bolsonaro e também daqueles que adotaram discurso parecido ao que foi usado por ele para se eleger presidente. Prefeitos que confrontaram Bolsonaro e adotaram medidas razoáveis foram reeleitos no primeiro turno ou foram bem votados para a disputa final.
A direita embriagou-se com o sucesso fácil e depois não se dedicou ao trabalho de estabelecer conceitos sólidos e demonstrar de forma prática a validade de seu discurso. Grudaram-se de forma desumana a uma postura de desrespeito à ciência, adotando o negacionismo até para um vírus mortal. Estão fazendo gesto de arminha até hoje e ainda apontam para o PT, que também afundou de vez nesta eleição.
O resultado prático é que com dois anos dessa estupidez que foi levada ao poder nem existe de fato uma “via de direita”. Foi tanta maluquice que até o verdadeiro conservadorismo ficou desacreditado. O brasileiro mostra que procura a moderação política, nada a ver com esta tresloucada direita incompetente e cruel. No popular, este papo não cola mais.