Então é que me escreve uma ilha onde o sol quase nunca se põe. E já clamo pela noite – não por seu grito -, mas por tudo o que nela é veludo, luar e a mansa solidão das águas rumorejando nas praias estreitas da ilha de Desayre. Pequena, e quase escarlate pelos corais que a rodeiam, e refletem sobre ela toda a cor feito uma neblina, não é bem, convenhamos, o contrário do dia o que se escreve à sombra tépida de Desayre.
É mais que a noite esse rumor de estrelas a desenhar constelações sobre constelações no céu de Desayre como se ali fosse o pergaminho noturno onde borramos luminiscências e costumamos traçar um desvio celeste com destino ao incerto futuro.
Em Desayre a noite se demora, e cala. Insiste em que é preciso amar o desejo para que ele se cumpra inteiro. É que na ilha de Desayre, e não só nela, as coisas desejadas quase nunca se realizam porque as impedem o Ego, a estranheza, a agrura, e sobretudo o medo, que também é uma forma de o Ego se proteger do que no desejo é delícia e riso, a constância do amor tocado por danças e gargalhares.
Ao Ego, corcunda e roto, o espantam as sombras da ilha de Desayre e nem sombras são, mas a noite, e sua imaginação coalhada de Ovnis e astros, galáxias e inquietos asteróides.
As ondas do grande Oceano transformado em fímbrias e praias, lagoas cercadas de corais, parecem lançar-se à costa da ilha, as ondas, como a insistir: mais e mais, refluxo de espumas; mais e mais neblina escarlate que a tudo comove, vinda dos corais recém-acesos pelo luar, para atingir Desayre, até o cume de suas montanhas, e as pedras da praia por onde passeiam os flamingos misturados ao róseo com que Desayre toda se rabisca se é a noite das e Desayre Desayrestrelas andantes.
Descrita, a ilha, inclusive, nos livros de bordo dos marinheiros de Hérida, igual que um presente do Deus – saciado e radiante com as – até para Ele! -, imprevistas criações. Desayre é, aliás, a única ilha do mundo em que o Deus se surpreende com Suas reinações obsessivas.
Há relatos de alguns navegantes que até hoje se arrependem de não haver aportado em Desayre. Vista de longe, apenas, escarlate, o céu noturno um enxadrezado de estrelas e o revôo dos flamingos que na perdida ilha do Arquipélago de K’an são como as asas da noite a cintilar intensamente. Outra vez o medo a todos paralisava, pondo ao largo frotas e flotilhas, novos e velhos marinheiros.
O esplendor do sinistro – cantou o poeta antigo para celebrar da ilha de Desayre o seu maravilhamento de noite que, ao se escrever a si mesma, dispensava dissertações, autorias, o mais hábil cronista. E só admitia o êxtase, o enlevo, desde que o turvo receio não pusesse tudo a perder, a nos ameaçar, através de Desayre, a vida cômoda e estéril e ágrafa igual que um livro em branco.
Por isso Desayre me escreve nem bem a noite profunda nos abrigue e embale a orfandade tamanha.