Retratos 3×4 de Carlos Lacerda

Filho e sobrinho de militantes comunistas, e militante comunista até ser expulso do partido, no início dos anos de 1940, Carlos Frederico Werneck de Lacerda teve escolhido pelo pai os prenomes em homenagem a Karl Marx e Frederic Engels. Foi, seguramente, um dos maiores oradores brasileiros, quer nos comícios do clandestino partido, quer nos comícios da UDN e nas tribunas da Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro e na Câmara dos Deputados, representando o então Estado da Guanabara.

Leonel de Moura Brizola, depois de encerrar o seu mandato como governador do Rio Grande do Sul, onde foi, segundo a maioria dos historiadores, um dos melhores que exerceu o cargo, transferiu seu domicílio eleitoral para a Guanabara e candidatou-se nas eleições subsequentes ao cargo de deputado federal pela legenda a qual sempre pertenceu, o PTB. Brizola foi o candidato mais votado no pleito. Seus mais de 250.000 mil votos representavam, aproximadamente, 30% do eleitorado da Guanabara. Até hoje, nenhum deputado federal o ultrapassou em percentual de votos na história eleitoral brasileira. Em segundo lugar, foi eleito Carlos Lacerda, com pouco mais de 5% dos votos.

Nas mesmas eleições, concorrendo pelo PTB de São Paulo, elegeu-se Ivete Vargas, sobrinha paulista de Getúlio, na rabeira, aproveitando-se das sobras “do voto de legenda”. Muitos anos depois das histórias contadas adiante, Ivete, numa manobra de Golbery do Couto e Silva e com a anuência de TSE, tomou na mão grande a sigla PTB para si. A Brizola restou fundar o PDT.

No dia da posse dos novos deputados, os mesmos eram chamados à mesa, um a um, em ordem alfabética, para o juramento da defesa da Constituição. Quando a chamada chegou na letra “C”, Brizola se aproximou de um dos microfones da lateral do Plenário da Câmara, ainda na cidade do Rio de Janeiro, e ficou esperando por Carlos Lacerda. Quando Lacerda se aproximou e jurou defender a Constituição, Brizola berrou no microfone: “Senhores e senhoras deputados e deputadas, povo brasileiro. Acabou de jurar defender a Constituição o deputado Carlos Lacerda. Dou a minha vida para provar que a partir de agora, segundos depois de jurar a Constituição, o deputado Carlos Lacerda vai dedicar sua existência a rasgar a mesma”. O Plenário e as galerias da Câmara aplaudiam (muito) e vaiavam (pouco). Lacerda saiu do Plenário sem oferecer resposta. A história mostrou que o vaticínio de Brizola estava correto.

No dia seguinte, começaram os trabalhos legislativos com o Grande Expediente, período pelo qual os deputados inscritos podem discursar sobre qualquer tema. Carlos Lacerda foi um dos primeiros a se inscrever. Seu discurso, para variar, lançava impropérios e ofensas a Getúlio Vargas (já morto). O Plenário se dividia, mais uma vez, entre vaias e aplausos. As galerias, lotadas, faziam o mesmo.

No meio do discurso de Lacerda, ocorreu o seguinte diálogo:

Deputada Ivete Vargas: O nobre deputado Carlos Lacerda me concede um aparte?

Deputado Carlos Lacerda: Concedo o aparte solicitado pela nobre deputada Ivete Vargas.

Deputada Ivete Vargas: Nobre deputado Carlos Lacerda, Vossa Excelência é um purgante.

Deputado Carlos Lacerda: Nobre deputada Ivete Vargas, Vossa Excelência é o resultado do purgante.

Deputada Ivete Vargas: Nobre deputado Carlos Lacerda, Vossa Excelência é um filho da puta.

Deputado Carlos Lacerda: Nobre deputada Ivete Vargas, Vossa Excelência não tem idade para ser minha mãe.

A Câmera e as galerias caem em gargalhada. O presidente da Câmara suspende a sessão por uma hora e ordena que os taquígrafos rasguem as notas do diálogo.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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