Mais dois pontos sobre Fortuna (final)

Durante o repasto, Fortuna fez uma proposta. Naquele mesmo dia iria ao Jornal do Brasil e colocaria um classificado com a seguinte frase: “Necessito de uma cuidadora de homem idoso que faça também serviços domésticos”. O Barão de Itararé explodiu: “Ganho um salário mínimo de aposentadoria, como vou pagar?”. Fortuna respondeu: “Eu pago e não se fala mais nisso”. “Pago também as despesas do supermercado e da farmácia”. Despediu-se do Barão de Itararé e disse que voltaria na manhã seguinte, bem cedo, para selecionar as candidatas.

Selecionou uma das candidatas, uma senhora distinta, com grande experiência com idosos. A primeira guerra da distinta foi o de acabar com as baratas e as formigas. Depois de longas batalhas, venceu e Fortuna sempre encontrava o Barão de Itararé e o apartamento limpos e asseados. Até o dia 27 de novembro de 1971, quando o Barão de Itararé deu seu último suspiro, Fortuna compareceu todos os dias no apartamento para conversar com o amigo que fez.

Desmentiu, na prática, uma das máximas do Barão: “De onde menos se espera é que não sai nada mesmo”.

Em 1972, sem mercado no Rio de Janeiro, o Correio da Manhã havia fechado e o Pasquim pagava pouco (se tivesse que pagar o que os seus colaboradores valiam, fecharia no primeiro número), Fortuna foi para São Paulo trabalhar na editora Abril. O colocaram na revista Cláudia, onde passava a maior parte do tempo respondendo as cartas das leitoras com o pseudônimo Ana Maria.

No ano de 1975, o DOI-CODI começou a prender jornalistas do partido comunista. Entre eles, foi preso e depois assassinado, Vladimir Herzog. Na mesma turma detida, foi levado para a Rua Tutóia o diretor de arte da revista Veja, George B. J. Duque Estrada. Mino Carta, o então diretor da Veja, mandou chamar o Fortuna. “Vou manter o nome do George no expediente, até mesmo para que ele não morra também. Mas você assume a direção, supervisiona a diagramação e edita as capas. Se topar faça também um cartum por edição”. Cansado de ser Ana Maria, e mesmo não aparecendo no expediente, Fortuna topou a proposta na hora e pôs a mão da massa. Despreocupado com as coisas materiais, nem perguntou quanto iria ganhar.

Duque Estrada ficou preso alguns meses e no final do primeiro mês em que substituiu o diretor de arte detido, Fortuna abriu o contracheque e ao ver o valor do salário entrou em choque.

Invadiu a sala de Mino Carta, com o contracheque na mão e gritou: “Mino, o valor deste contracheque é um escândalo”. Curioso, Mino olhou o contracheque e observou: “Mas Fortuna, é um ótimo salário!”. “Ótimo? O salário é uma indecência. Não mereço ganhar metade da metade da metade do que estão me pagando. Exijo que reduzam o salário para 25% do valor pago”. Mino caiu na risada e disse: “Fortuna, a Veja tem uma tabela salarial e o salário do diretor de arte, mesmo interino, é esse. Vai trabalhar e para de me encher o saco”.

George B. J. Duque Estrada foi solto mais tarde e retomou suas atividades na Veja. Fortuna ficou fazendo ilustrações e cartuns para a revista. Quando Mino Carta foi demitido, em 1976, pediu a conta.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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