O tédio sem Bolsonaro

Que delícia o silêncio; silêncio que tem som de paz, de calmaria, de tarde de férias

Vocês estão ouvindo? Eu também não. Que delícia o silêncio. Silêncio que tem som de paz, de calmaria, de tarde de férias. Duas semanas sem live do Biroliro. Duas semanas em que ele posta apenas fotos, feito um blogueiro aposentado. Duas semanas que não xinga jornalistas, não faz arminha com a mão, não ameaça alguma minoria.

Em meio ao primeiro pronunciamento do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, tive vontade de mudar o canal. Meu Deus, que tédio. Que tédio gostoso. Picolé de Chuchu é vice, usa meias de bolinhas, não xinga jornalistas e fala num tom como se fosse mesmo uma autoridade. Esse é o país que quero, do tédio.

Duas semanas, obrigada, obrigada, sem ouvir “cuestão” e “no tocante”. Duas semanas sem dar de cara a todo momento com aquela cara perebenta na TV, nos jornais, em camiseta de minion. Prefiro ver o Lula chorar ao falar de pobre a aguentar o ignóbil dizer que as pessoas não passam fome.

Tudo de volta à normalidade, jornalistas já começaram a ser chamados de PIG (Partido da Imprensa Golpista), mas sem violência, sem chamar de puta, com aquele verniz intelectual e aquele desprezo maroto pela categoria que só a esquerda consegue ter. Meus haters favoritos. E olha que nem começou, prometo que a partir de janeiro é que terá motivo. Reservem o seu ódio. Por enquanto, apreciem o silêncio.

Apreciem o silêncio. Dias sem ouvir a familícia, a micheque, a doidamares et caterva. A única notícia que se tem é que Bolsonaro tem gastado R$ 100 mil por dia no cartão corporativo. Eu entendo, quando fico sem nada para fazer me entretenho no Mercado Livre. O boleto que lute. No caso do cartão da fatura do presidente, o brasileiro que se vire.

Esta semana, pudemos chorar a partida de Gal, ouvir suas canções, que ocuparam as redes, as salas das casas, os fones de ouvido, os rádios dos carros. “O Brasil, que ela sempre encantou com sua voz única, chora”, disse Bethânia. Sim, esse Brasil chorou. Choramos juntos sem ouvir alguém falar em mamata ou em lei Rouanet. Melhor o silêncio daquele que ignorou a morte de tantos outros que falaram e cantaram o Brasil de que a gente tem saudade.

Gal se foi e nos fez lembrar que somos um povo feito de beleza, de alegria e de arte. Os minions entoam o hino nacional em torno de um pneu de caminhão, por aqui botei “Aquarela do Brasil” no repeat. É uma terra boa e gostosa. Gostosa como o silêncio das últimas duas semanas.

Apreciem o silêncio. Eu quero pelo menos mais um mês de tédio.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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