Sanha persecutória sobre uso de palavras revela autoritarismo e ignorância sobre dinâmica linguística
A professora Jan Alyne, da Universidade Federal da Bahia, está sendo acusada de transfobia por ter dito que a aluna Liz Reis parecia estar “chateado”. Liz nasceu homem e se identifica como mulher, mas não possui marcadores visíveis do sexo feminino. Ademais, era a primeira vez que ia à aula da disciplina, que teve início um mês antes do episódio.
O termo transfobia designa medo, intolerância, rejeição, aversão, ódio ou discriminação contra pessoas transgêneros. Basta um mínimo de sensatez para perceber que o termo “chateado” direcionado a uma mulher trans está muito longe disso.
Trata-se de um dos graves problemas do movimento identitário, que se baseia na ideia de uma rede difusa de poder que age a partir de cada indivíduo por meio dos usos inconscientes da linguagem. Essa ideia de que a opressão está contida em toda interação, o que gera politização paranoica sobre cada faceta da vida, assume ares de religião puritana.
Cada palavra ou ato do cotidiano é ocasião para dar glórias a uma causa política e, também, para apontar o pecado dos hereges. O de Jan Alyne foi usar um adjetivo no masculino, o suficiente para que fiéis desencadeassem um processo inquisitório.
Entretanto o ambiente universitário não combina com dogmas. Alunos e professores precisam se sentir livres para se expressarem, sem medo de macularem a fé alheia.
Assim como no caso da demanda pelo pronome neutro, usa-se sempre o argumento de que a língua é viva, logo, mutável. Mas as mudanças ocorrem paulatinamente ao longo do tempo pelo trabalho de escritores e, principalmente, pela dinâmica popular, que consagra determinados termos e construções gramaticais através do uso disseminado.
Alterações na língua, portanto, não podem ser impostas goela abaixo. Caso contrário, trata-se de autoritarismo com laivos puritanos, e quem se diz defensor de liberdades individuais —como a sexual e a de gênero, por exemplo— não pode aceitar esse mecanismo persecutório sem cair em flagrante contradição.