A cura

Deu na “New Yorker”.

O doutor Paul Muizelaar, neurocirurgião-chefe da Universidade da Califórnia, em Davis, percebeu que pacientes acometidos por infecções violentas apresentavam redução no tamanho de seus tumores cerebrais.

Estimulado pela invasão bacteriana, o sistema imunológico reconheceria as células cancerígenas como inimigas, o que não é comum acontecer, combatendo-as.

Sem testes prévios em animais, Muizelaar sugeriu a Patrick Egan, um homem desenganado de 56 anos, que ele servisse de cobaia num tratamento que vai de encontro a tudo o que prega a assepsia da medicina moderna.

Egan permitiu que o médico abrisse sua caixa craniana, retirasse o que fosse possível do glioblastoma -um cancro em forma de borboleta que se alastra pelo cérebro- e, antes de fechar, pasmem, mergulhasse o osso do tampo numa solução infectada com Enterobacter aerogenes, uma bactéria fecal do intestino.

Depois da intervenção, o enfermo entrou em coma e passou semanas entre a vida e a morte. Ao fim de um mês, no entanto, áreas da cabeça afetadas pelo tumor haviam dado lugar a uma infecção gravíssima, mas com chances de ser tratada.

As descobertas de Muizelaar me fizeram pensar no glioblastoma que se apoderou do sistema nervoso brasileiro e na sua possível cura.

O tumor formado pelos 400 partidos que ocupam o Congresso com o objetivo de garantir o caixa dois de campanha e se locupletar com o superfaturamento das obras públicas comprometeu as funções básicas do hospedeiro.

Atingimos o estado crítico.

A Justiça investiu contra o tumor silencioso provocando uma infecção ruidosa. As investigações nos afundaram num caldo de coliformes fecais impregnado de Youssefs, Paulos Robertos, Duques, Cerverós e Delcídios.

A cada nome surgiram outros nomes, que deram em mais nomes, numa progressão que englobou tanto o hemisfério esquerdo quanto o direito da central de comandos.

Eleita para servir de antídoto para os males da velha política, a esquerda acabou contaminada, valendo-se do mesmo discurso coronelista do feijão no prato do povo, enquanto negociava caro a sua permanência no poder.

A oposição apoiou a eleição da superbactéria Eduardobacter Cunhenes para a presidência da Câmara a fim de atingir o governo. Agora, não há antibiótico de última geração que dê conta da peste.

Conhecedora profunda das veias abertas da República, Eduardobacter Cunhenes continuará atuante, pelo menos até a volta do recesso parlamentar, ou coma, de fim de ano.

O país se divide entre aqueles que veem o impeachment como solução e os que o encaram como golpe

Sou contrária ao impeachment porque creio que ele livrará o PT da responsabilidade sobre a crise atual. Só atravessando a fase aguda da infecção, com todos os envolvidos presentes, ganharemos imunidade contra o populismo de esquerda e o oportunismo de direita.

O problema é saber se o paciente resistirá a três anos com taxas altas de inflação, deflação, depressão e rebaixamentos.

Se sobrevivermos, o Brasil terá trocado o câncer de hoje por uma infecção tratável.

É hora de acender as velas.

Feliz 2018.

Fernanda-torres

Fernanda Torres – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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