Natal nas Estrelas

Estou em Nova York e acabo de assistir a “O Despertar da Força”, sétimo episódio de “Star Wars”, num dos cinemas populares da rua 42 (salas grandes, pipoca e nachos fartos e plateia barulhenta, que adora se expressar).

Não sei por que alguns críticos afirmam que o episódio é o melhor da série. A atuação é dificilmente sofrível (essa é uma tradição, em “Star Wars”); a história é a mesma da primeira trilogia; a direção chega a ser careta. Ninguém pensou em correr um risco, por mínimo que fosse: serviram exatamente o que a gente parece pedir desde o começo, sempre o mesmo prato.

E a plateia aprovou: quando apareceram os veteranos do filme de 1977 (a princesa Leia, Han Solo, Luke Skywalker), todos aplaudiram.

O que é esse prazer da continuidade, que nos torna especialmente bom público para trilogias, sequelas, prequelas e, hoje, seriados de televisão com temporadas sucessivas? Ou mesmo para novelas que duram meses?

Não é o caso de acusar os produtores hollywoodianos ou a televisão: no século 19, os fiéis de Alexandre Dumas, que o liam no jornal, em folhetim, esperavam não só o capítulo do dia seguinte, mas também o romance seguinte, com o que aconteceria, por exemplo, “Vinte Anos Depois”.

O mesmo vale para as aventuras de Sherlock Holmes, para os piratas de Emilio Salgari, para Hercule Poirot, Perry Mason etc. É uma moda recente? Nem tanto. Talvez Homero seja o nome genérico dos que recitavam os mesmos cordéis 27 séculos atrás, pelo Mediterrâneo afora. E, sei lá, “Orlando Furioso” (1516), de Ariosto, era a sequela de “Orlando Innamorato” (1483-95), de Boiardo.

Não é de hoje: a gente sempre gostou de uma história que tenha a permanência e a consistência de uma espécie de realidade paralela. Tudo bem, essa aventura terminou, mas é como quando apagamos nossa telinha: a programação continua, os heróis e vilões estão num mundo que tem vida própria e que sobrevive à nossa eventual distração. Um dia desses, não é que os heróis voltarão, é que nós daremos uma espiadela num outro trecho da vida deles (a qual nunca parou).

As ficções são mais que um amontoado de casos e histórias: elas são outras dimensões do mundo. E os romances, a tela da TV e a do cinema são frestas, janelas e portas entre essas dimensões. Servem para enxergar o que acontece lá; e, às vezes, servem também para transitarmos de uma dimensão à outra.

Curiosidade: para onde vão os personagens de um seriado entre uma temporada e outra?

Enfim, no mundo de “Star Wars”, existe uma diversidade infinita de espécies que convivem nas galáxias, mas há só uma luta que importa: entre o lado escuro e o lado luminoso da Força, que competem pelas almas de todos.

Deus e o demônio se enfrentam por nós e pelo controle do mundo. Nós às vezes temos coragem, outras vezes, não. É que a Força funciona como a Graça: ela ajuda os que realmente acreditam nela. Sempre vai ser assim.

Não pare de acreditar, viu?

O Natal é como a Força; para que aconteça, é preciso acreditar nele.

O Natal é também como “Guerra nas Estrelas”: uma história que volta (no caso, a cada ano) marginalmente diferente, mas com os mesmos bons sentimentos (um pouco melados e estereotipados), o mesmo cenário (luzinhas, árvores, vermelho e verde),e com a mesma trilha, mas que, por isso mesmo, não para de fazer sucesso.

Domingo, na esquina da Mercer com Prince, a uma quadra da entrada da “delicatessen” de Dean and Deluca, um saxofonista negro tocava insistentemente “Noite Feliz”. Eu o reconheci e me lembrei dele de outros Natais. Deixei US$ 1 no prato, que estava surpreendentemente vazio: a performance pagaria melhor se a temperatura não fosse quase de primavera –o frio nos torna mais generosos, contrariamente à regra (errada) de que, no frio, ninguém enfia a mão no bolso (que é de acesso difícil, por baixo do sobretudo).

O pessoal do Salvation Army, tocando seu sino na frente do terminal de ônibus da Port Authority, tampouco parece muito convincente sem o frio. Ando pelas ruas e tento encontrar, pelo cheiro, um quiosque de castanhas assadas; acho que, sem o frio, o pessoal ficou em casa; talvez amanhã as castanhas apareçam.

Em compensação, o cheiro da maconha é onipresente. Parece que o Papai Noel aderiu à descriminalização.

Feliz Natal e paz na terra aos homens de boa vontade. E aos de má vontade também.

contardo-calligaris

Contardo Calligaris – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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