A falsa promessa de protagonismo feminino é o doloroso golpe de Barbie

Aos homens reclamando que o filme os retratam como pessoas burras e rasas, digo que não entenderam absolutamente nada

Não é só por causa da paleta chamativa em tons de rosa que o filme da Barbie é impossível de se ignorar. As críticas ao fenômeno mundial de bilheteria se dividiram em dois extremos.

De um lado, o filme é acusado de misandria, ou seja, de perpetuar o ódio aos homens; do outro, de esvaziar o discurso feminista e utilizá-lo para vender bonecas de plástico. Não consigo ver o filme de maneira tão monocromática.

Se, por um lado, me satisfaz profundamente ver um sucesso dessa magnitude pondo o feminismo em pauta, por outro acho curioso que ninguém fale sobre o aspecto mais problemático do roteiro de Greta Gerwig e Noah Baumbach.

A ostensiva campanha publicitária se apoia na ideia de que o filme é sobre a Barbie, e o Ken é apenas um personagem secundário, irrelevante à narrativa. O slogan estampado nos cartazes é: “Ela é tudo, e ele é apenas o Ken”.

Ou seja, há a promessa de reparação histórica dada logo de cara. Afinal, o que define nosso sistema de opressão de gêneros, também conhecido como patriarcado, é o protagonismo masculino. Personagens femininas foram relegadas a um papel secundário por milênios. E, como a arte imita a vida, esse aspecto secundário também se estende às mulheres de carne e osso.

É essa a premissa do livro “O Segundo Sexo”, escrito por Simone de Beauvoir, uma das principais bases teóricas do movimento feminista.

Para quem ainda não assistiu ao filme, fica um alerta de spoiler. E para quem já assistiu, um alerta de gatilho.

A falsa promessa de protagonismo feminino é o doloroso golpe de marketing que “Barbie” entrega muito bem embalado. O filme é sobre o Ken.

É o Ken o personagem injustiçado no início, como acontece com os protagonistas. É o Ken o personagem com o arco de transformação mais complexo —tanto que, no ponto baixo da história, acaba se tornando autoritário—, como acontece com os protagonistas. É o Ken que ganha longa sequência no clímax, como acontece com os protagonistas. É o Ken que carrega o humor da narrativa nas costas, como acontece com os verdadeiros protagonistas.

Essa constatação não é só uma má notícia para as feministas. Aos homens reclamando que o personagem os retratam como burros e rasos, sinto informar que não é ele que confirma essa regra: foram vocês que não entenderam nada.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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