A fofoca velha merece ser valorizada não antes, mas depois que seja tarde

Aviso: você pegou este texto para ler agora, mas ele está desatualizado e a cada letra ele caduca progressivamente

Aviso: você pegou este texto para ler agora, mas ele está desatualizado. Enquanto a ideia ainda brotava na mente, sua falta de novidade já se instaurava. A cada letra, caducava progressivamente. No online, antigo. No impresso, decrépito. Mas tudo bem. Nada mais moderno do que fofoca velha.

Nas redes sociais e na vida, meu feed até hoje encontra-se tomado pelos desdobramentos de Xuxa e Larissa Manoela. A zona de conforto ocupada por papos agradáveis como “o aquecimento global anda terrível este inverno, não acha?” ou “que sigilo bancário será quebrado hoje?” foi invadida pela truculência noticiosa de Marlene Mattos e pais que negavam semanada à estrela.

Não sei vocês, mas cansei de babados neoapocalípticos sobre celebridades VIPs. Busco um idílio na maledicência. Um porto seguro na bisbilhotice. Dito isso, criei a trend “fofoca velha é a nova fofoca nova”.

Com o frescor da obviedade, ela merece ser valorizada não antes, mas depois que seja tarde demais. Não dizem que o Brasil é um país sem memória? Então. Graças à amnésia coletiva, restará o frisson de um mexerico arcaico que você acabou de tirar da gaveta.

Esqueça Anitta versus Ludmilla. Emilinha e Marlene ainda rendem um feat. Já mortas, a rainha do rádio e a favorita da Marinha têm tudo para viralizar a rixa icônica nos novos tempos. Um bullying ideal entre fãs a posteriori.

Júlio Prestes contra Getúlio. Lacerda contra Getúlio. Getúlio contra o próprio Getúlio, culminando em seu suicídio numa manchete do Choquei. “Vejam o estado do pijama. O que acharam?” E um emoji “piscandinho”.

“Fofocalizando – Antes e Depois de Cristo” cobriria tretas internacionais. Em vez de internautas testando a maquiagem da influencer Virginia, o rumor de fail no publi da cobra que picou Cleópatra.

“Tá sabendo da última epopeia do Gilgamesh?” “Só dando print nas tábuas de escrita cuneiforme.” “Ai, que saco, então tem que configurar a prensa móvel do Gutenberg!” “Reclama não: entra na live de Sodoma e Gomorra misturando Coca-Cola com mentos.”

Parando para pensar, a primeira fofoca em terras brasileiras foi a carta de Pero Vaz de Caminha. Um baita “shade” eurocêntrico jogado nos povos originários. Mas é aquilo. Com as grandes navegações vêm as grandes atrocidades. “Exclusivo: Santa Maria, Nina e, gente, que pinta era aquela de Colombo?”, apurou Leo Dias.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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