A Ilusionista

Lorena Montez foi uma das mais aclamadas artistas circenses de todo o México na primeira metade do século XX. Relatam os historiadores de espetáculo, muito comuns, aliás, aquele tempo, sobretudo no México, que além de exímia trapezista, Lorena Montez era ainda bailarina, domadora de leões e o que já constituía então rara singularidade, incomparável ilusionista, a única mulher mágica de todo o continente. Capaz de fazer desaparecer ante aturdidas platéias um elefante vivo ou com que levitasse um par de gêmeos cujos cabelos, compridos e cacheados, chegavam a balançar no ar – com eles, os gêmeos, perfeitamente deitados, um ao lado do outro, a sete palmos do chão.

Ninguém poderia supor, contudo, que, nas horas vagas, Lorena Montez se dedicasse, com assombrosa diligência, escondida de todos os colegas de circo, ao dificílimo ofício de atiradora de facas, coisa que exercitava, sabe lá Deus com que extrema dificuldade, consigo mesma. Certamente o braço longo a mirar para trás o próprio corpo, em golpes curtos e sem dúvida precisos.

Muitas foram as vezes em que contornou o corpo nu de prateados punhais que chegavam a sugerir, quando deixava o alvo, perfeitamente incólume, a exata silhueta de uma mulher, de fina cintura e respeitáveis ancas.

Isso até o dia emque talvez abduzida por si própria, provavelmente numa delirante mágica, Lorena Montez desapareceu de vez e por completo. Nunca mais foi vista, embora a tenham procurado por todo o México, e fora dele, detetives, fãs ardorosos, exaustos aficcionados pelo ilusionismo, além do amante que a ela dedicara os últimos trinta anos de sua vida.

Dela, da lendária Lorena Montez, o dia em que se desapareceu, só o uniforme de domador, absolutamente intacto na jaula dos leões atrás do circo e, dentro da mesma jaula, o alvo igualmente intocado onde, escondida de todos, exercitava o novo ofício. Na madeira de cortiça, que servia de alvo, só um contorno de facas a sugerir o exato desenho de uma mulher.

abril|2010 – Revista Ideias/ Travessa dos Editores

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Wilson Bueno e marcada com a tag , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.