A Justiça é colonizadora

Foi o que eu pensei vendo os brancos no STF decidindo o marco temporal

A Justiça não é igual para todos nós. Bem verdade é que essa tal de Justiça é colonizadora e continua a nos oprimir, era o que eu pensava ao assistir a sessão do Supremo Tribunal Federal sobre o marco temporal, vendo os brancos decidirem sobre nossas vidas e futuro.

Com 132 anos de existência, o STF nunca teve uma ministra negra ou indígena em sua composição. Apenas três magistrados negros integraram a corte. O último deles foi o ministro Joaquim Barbosa, aposentado em 2014. Com a aposentadoria compulsória da ministra Rosa Weber, que faz 75 anos em outubro, o presidente Lula indicará quem vai ocupar o cargo de protetor da Constituição pelas próximas décadas.

Com quase 40 anos de redemocratização no Brasil, existem espaços apenas com pessoas brancas e em maioria homens, e esses espaços são espaços de poder, como o STF. Como nos ensina o ministro Silvio Almeida em livro, nós normalizamos o racismo, pois, aceitando ou não, ele faz parte das nossas relações, praticado cotidianamente, não apenas por indivíduos, mas estruturado e institucionalizado.

Naturalizamos a ausência dessas pessoas. O encarceramento em massa do povo preto não causa espanto. O assassinato de líderes indígenas e quilombolas não choca. A morte de crianças yanomami engolidas pelas dragas de garimpo não revolta, mas um ministro do STF defende que nossos territórios sejam abertos para grandes empreendimentos, como a mineração, sem o nosso consentimento.

Antes mesmo da indicação e posse de seu ex-advogado Cristiano Zanin, Lula já vinha sofrendo pressões para indicar uma mulher negra para o Supremo. Sociedade civil e entidades jurídicas lançaram manifestos a favor da indicação de uma ministra negra. Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos, Anielle Franco, da Igualdade Racial, e Cármen Lúcia, do STF, também se posicionaram favoráveis à indicação. Mas o presidente já tem seus favoritos, outros dois homens brancos, Jorge Messias e Bruno Dantas.

Não podemos aceitar mais um ministro conservador. Para falar de redemocratização dos espaços de poder no Brasil precisamos de uma mulher indígena ou negra e progressista na Suprema Corte. A luta contra o racismo passa pela desconstrução do racismo estrutural.

Como falaremos de um sistema justo se não há uma mulher indígena e uma mulher negra discutindo os temas de uma sociedade plural, mas em maioria feminina? Ainda nos chamarão de identitaristas quando falamos de democracia.

Uma boa escolha política é a que torna o país um lugar mais justo, menos racista e menos machista. Precisamos parar de tratar o racismo apenas no âmbito moral e entender que é uma questão política e econômica.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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