A luta de um guerreiro

Paulo Motta, o mais recente historiador (considero aqui historiador aquele que conta histórias) deste espaço do Zé Beto, cobra-me uma resenha do livro “Samuel Wainer, O homem que estava lá”, de Karla Monteiro, lançado recentemente pela Companhia das Letras. Não é a minha especialidade. No entanto, faço questão de recomendar a leitura da publicação não apenas pelos jornalistas e interessados na história político-administrativa do Brasil, do período de Getúlio Vargas até o início dos anos 80, mas por todos os que ainda gostem de ler.

Advirto desde logo: a mineira Karla Monteiro, conterrânea de Juscelino, sabe escrever, sua escrita flui naturalmente, e fez um trabalho de pesquisa memorável. Traça um retrato isento de Samuel Wainer, da glória ao fracasso, realçando tanto as qualidades quanto os defeitos daquele que foi, certamente, um dos maiores jornalistas e empresários da imprensa deste país, no século passado – ainda que, para muitos universitários de hoje ele tenha sido apenas “o marido de Danuza Leão”.

Daí a importância do trabalho de Karla Monteiro. Quem não sabe, precisa saber que Samuel Wainer já existia antes de haver conhecido Danuza, de ter casado e de ter tido três filhos com ela.

Aportara no Brasil com os pais e irmãos no verão de 1921, sem lenço nem documento, procedente da Bessarábia, atual República da Moldávia, que integrava então o Império Russo, provavelmente com seis anos de idade, embora sustentasse até a morte que era paulista do bairro judeu do Bom Retiro.

Ainda muito jovem, então no Rio de Janeiro, descobriu a vocação que o acompanharia a vida toda: escrever e fazer jornais e revistas. Começou como colunista do jornalzinho do Club Juventude Israelita, sediado na Praça Onze, e não parou mais. Tentou ser farmacêutico. Até matriculou-se no curso de farmácia, em São Paulo, para agradar a mãe, que sonhava com um filho na faculdade. Por ele, teria preferido fazer Direito, mas faltara dinheiro para o curso preparatório. Logo abandonaria também a ideia farmacêutica. O seu sonho ia noutra direção.

Samuel atuara em vários jornais e revistas até oferecer ao Diário da Noite, de Chateaubriand, em fevereiro de 1949, o “furo” de uma entrevista com Getúlio Vargas, então exilado no seu rincão de São Borja, no RS, após haver sido apeado do poder. Com essa iniciativa, aproximou-se do ex-ditador, que voltaria ao mando pelo voto popular, e dele recebeu a ideia de ter o seu próprio jornal.

Alguns meses depois, com a ajuda do Banco do Brasil, nascia Última Hora, primeiro no Rio e depois em São Paulo, para logo transformar-se na maior cadeia de jornais impressos do Brasil, rivalizando com os Diários Associados, presente em vários Estados brasileiros, inclusive no Paraná, com tiragens diárias em torno dos 150 mil exemplares.

O sucesso de Última Hora se deveu, além do fato de ser um jornal de jornalista, à defesa das causas populares e dos trabalhadores, à uma equipe de profissionais de primeira linha, que ganhava três vezes o salário pago pelos demais jornais, e a uma aparência gráfica moderna e arrojada, que privilegiava notícias curtas e grandes fotografias, revolucionando a imprensa nacional. E, acima de tudo, ao arrojo, à competência e à dedicação extrema de Samuel Wainer, que passaria a viver praticamente dentro das redações.

Como já contei aqui, Última Hora do Paraná – escola da qual tive a honra de participar – era escrita em Curitiba e montada e impressa em São Paulo, mas chegava às bancas paranaenses perto das 9 h da manhã, praticamente junto com os matutinos curitibanos. As edições tinham dez páginas, com tiragens diárias médias de 30 mil exemplares.

Em uma época sem internet, sem fax ou outros meios de comunicação à distância, além do telégrafo, do rádio, do teletipo e do telefone, o material noticioso da UH Paraná era transmitido a São Paulo pelo telefone, palavra por palavra. As matérias que podiam ser antecipadas seguiam via rodoviária, por caminhão. E aí se revelava a estratégia da circulação do jornal.

Uma caminhonete saía no final da noite de São Paulo com os exemplares impressos e empacotados. Outra caminhonete saía de Curitiba, no mesmo horário, com o material original escrito e as fotografias. Em Registro (SP), os veículos trocavam de motoristas. O que saíra da capital paulista embarcava na caminhonete de Curitiba e voltava com ela para São Paulo; o outro, que saíra de Curitiba voltava para casa com o veículo despachado de São Paulo. Coisa de louco: um jornal local, com cobertura nacional, impresso em São Paulo. Como a estratégia se repetia em outras capitais, tinha-se um jornal nacional composto por várias edições regionais. Coisa da cabeça de Samuel Wainer, um jornalista acima de tudo.

Samuel foi, durante muito tempo, um dos homens mais poderosos do Brasil, trafegando naturalmente tanto entre a nata dominante do país, quanto entre a raia miúda da população que o tinha como porta-voz.

Poderia ter feito fortuna, mas não a fez. O dinheiro jamais o empolgou. Nasceu pobre e morreu pobre. Quando faleceu, no início de 1980, possuía um único bem, revelado por Karla Monteiro: “um telefone, adquirido com os proventos da venda de um estimado Dodge Polara”.

P.S. – O jornalista Walter Schimidt está reunindo material para escrever a história da UH Paraná. Fiquem de olho.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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