A morte da rainha

Anacronismos e contradições marcam os comentários sobre o reinado de Elizabeth 2ª

“Toda rainha é má.” Achei que era um comentário sobre desenhos de princesas da Disney, mas não, estava-se falando da rainha Elisabeth 2ª. Colonização, racismo e o sistema escravagista justificavam a afirmação.

O Império Britânico cometeu atrocidades, oprimindo povos e culturas, torturando e matando, mas Elizabeth 2ª pouco teve a ver com isso, afinal, nem era nascida em grande parte dessa história. Além disso, como a Inglaterra é uma monarquia parlamentarista, a rainha exercia apenas o papel de chefe de Estado, não de governo. Ou seja, um cargo simbólico.

Pelas críticas, parece que a única postura moralmente aceitável da filha do rei seria abdicar do trono. Outros cogitaram que ela deveria ter pedido desculpas pelos descalabros colonialistas. Afinal, até o papa João Paulo 2º pediu desculpas pelas atrocidades cometidas pelos tribunais da Inquisição.

Porém o mais curioso em toda essa problematização é que boa parte dela veio de apoiadores de regimes ditatoriais e de governos que usaram as mesmas táticas imperialistas desumanas em nome do comunismo, como a URSS. Quando Fidel Castro morreu, viu-se uma enxurrada de homenagens ao ditador cubano cujo regime perseguiu e prendeu não apenas dissidentes políticos como gays e lésbicas (basta ler os relatos do escritor homossexual cubano Reinaldo Arenas).

Che Guevara, considerado por muitos como um herói na luta pela liberdade, era homofóbico. No caso dele, a explicação dada é algo como “Ah, mas naquela época todo mundo era homofóbico”. Curioso que essa consideração que leva em conta o contexto histórico e cultural valha para Che, e não para Elizabeth 2ª.

Como republicana, tenho dificuldade em aceitar monarquia, mas, pelo visto, os ingleses gostam. Como democrata, tenho ainda mais dificuldade para aceitar ditaduras, mas tem quem goste. Monarquia absolutista é inaceitável, já a parlamentarista segue preceitos democráticos. Não sei se todo rei é mau, mas todo ditador com certeza é.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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