A seleção paranaense de UH e os bustos da UFPR

Não faz muito tempo, Célio Heitor Guimarães anunciou aqui no blog que o Walter Schmidt está preparando um livro sobre a história do jornal Ultima Hora, edição Paraná (não sei a razão, mas o jornal nunca acentuou a palavra “última”). No final de semana, dei uma boa fuçada no site da Biblioteca Nacional (linkar Hemeroteca Digital Brasileira – hoje não adianta, foi invadido por hackers e está fora do ar). Lá estão milhares de jornais e revistas digitalizados (O Cruzeiro, Manchete, Pasquim, Realidade etc…). Três (ou quatro, conforme o ponto de vista do consultador) são as UHs (a edição carioca, misturada com a fluminense, a pernambucana e a paranaense, nem sempre completas).  Segundo pesquisei na internet, as edições gaúchas se encontram no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, em Porto Alegre, mas não se encontram digitalizadas, consultas só no local, com agendamento prévio, devido à pandemia. Da edição mineira, não achei rastro. Os direitos da Ultima Hora de São Paulo pertencem à Folha, já que Samuel Wainer, em pré-falência, vendeu o jornal paulista para Otávio Frias, já dono do Folhão, em 1965, quando estava exilado em Paris. Ignoro os motivos, mas nunca foram digitalizadas.

Quando vendeu Última Hora do Rio, em 1972, desempregado e falido, Wainer aceitou o convite de Frias para dirigir o jornal que tinha fundado e se mudou para Sampa. Mais tarde, Cláudio Abramo (que foi recentemente homenageado aqui pelo Mário Montanha Filho) o levou para a Folha e lhe deu o espaço nobre da página 2. Abramo, pessoalmente, não gostava de Samuel. Conforme conta no livro também citado pelo Montanha, com a Redentora Samuel lhe chamou na embaixada do Chile (onde aguardava o salvo-conduto para a França) e lhe ofereceu a direção da edição paulista. Abramo fez exigências que não foram aceitas por Samuel e os dois romperam, só voltando a se falar quando Samuel foi convidado.

Os historiadores da imprensa brasileira sempre registraram que Ultima Hora e suas diversas edições regionais contavam com os melhores jornalistas encontráveis no mercado, já que, nos áureos tempos, Wainer pagava os melhores salários do Brasil. Às vezes, Samuel recrutava jornalistas das diversas regionais e os mandava para o Rio ou São Paulo. Mussa José Assis chegou a exercer altos cargos de direção na de São Paulo. De Belo Horizonte vieram Mauro Santayana (legendário correspondente na Europa do Jornal do Brasil e adido na embaixada do Brasil no Paraguai, levado pelo grande escritor mineiro Mário Palmério e iniciou, a pedido de JK, as negociações para a construção de Itaipu) e Alberico Souza Cruz (Veja, Jornal Nacional onde ficou célebre no famoso debate Collor-Lula). Do Recife, Aguinaldo Silva (ele mesmo, o novelista demitido da Rede Globo), Milton Coelho da Graça (Realidade, Placar e inúmeras publicações da Editora Abril e que cobriu a Fórmula-1, muitos anos, para O Globo) e Mucio Borges da Fonseca (várias revistas do Grupo Abril e depois diretor de inúmeras publicações da Editora Três). De Porto Alegre, Ibsen Pinheiro (ele mesmo, o deputado), Flávio Tavares (o Dr. Falcão da luta armada, que foi “trocado”, junto com outros presos, pelo sequestrado embaixador norte-americano Charles Elbrick) e Tarso de Castro (o verdadeiro fundador do Pasquim e que depois foi expulso do mesmo pelos colegas de redação Millôr Fernandes, Jaguar e Ziraldo).

A UH do Paraná era uma verdadeira seleção. Teve, no período de 1959-1964 quatro diretores: Carlos Coelho, Michel Khoury, Ary de Carvalho e Carlos Eduardo Fleury. Ary compraria, com o fechamento das edições regionais, o jornal de Porto Alegre, mas não o título, e daí nasceu a Zero Hora. Depois, dirigiu a própria UH no Rio, quando os donos eram outros e terminou seus dias como proprietário do jornal O Dia, do Rio de Janeiro.

Li, ao acaso, variados números da UH Paraná, de todos os anos. As matérias, em grande parte, eram assinadas. Era uma verdadeira seleção. Seguem os nomes que colhi das leituras (evidente pode faltar alguém, nas seleções sempre alguns craques ficam de fora):

Adherbal Fortes de Sá Jr., Aloísio Palmar, Altair Astor, Aramis Millarch, Carlos Augusto Cavalcanti de Albuquerque, Celina Luz, Célio Heitor Guimarães (que, no início, assinava Epaminondas Castello Branco), Cícero Cattani, Clóvis de Souza, Edésio Passos, Edison Jansen, Enéas Faria, Francisco Bettega Neto, Francisco Camargo, Jairo Regis, Luiz Geraldo Mazza, Maurício Fruet, Maurício Távora, Mauro Ticcianelli, Miecislau Surek, Milton Cavalcanti, Milton Ivan Heller, Mussa José Assis, Naim Libos, Nelson Commel, Nelson Faria, Pery de Oliveira, Sylvio Back, Tato Munhoz da Rocha, Valmor Weiss e Walmor Marcellino.

O jornal não disfarçava o apoio ao governador Ney Braga e esteve com a candidatura de Ivo Arzua Pereira a prefeito. Nas suas páginas se jactava de ser o jornal de maior tiragem do Paraná e possuía sucursais em Londrina, Ponta Grossa e Paranaguá.

A exemplo de seus congêneres, premiava o “Homem do Ano”. O jornal trazia um cupom, o leitor recortava, preenchia o nome do seu candidato e depositava o voto nas urnas que ficavam na sede da rua Voluntários da Pátria. Bela feita, o eleito, com larga margem sobre o segundo colocado, foi Flávio Suplicy de Lacerda, o mais duradouro reitor da UFPR. Ficou décadas no cargo. O prêmio foi entregue num banquete concorridíssimo, é o que se lê nas páginas de UH.

Suplicy era um homem “humilde”, “permitiu” que lhe esculpissem o busto, que foi colocado na entrada da Reitoria. Toda manhã quando o magnífico chegava para trabalhar, dava de cara consigo mesmo. Quando retornava para casa, no final do expediente, admirava a própria nuca e os ombros.

Em abril de 1964, os militares mandaram os magníficos das universidades federais prá fora, como os professores comunistas. Suplicy foi rápido no gatilho: proibiu o professor catedrático José Rodrigues Vieira Netto, da Faculdade de Direito, entre outros, de dar aulas. Talvez por isso tenha sido escolhido ministro da Educação de Castello Branco. No ministério, assinou o famoso acordo MEC-USAID, odiado por toda a comunidade universitária. O tal acordo, na verdade, nunca foi inteiramente implantado, por resistência dos discentes e de alguns docentes. Tivesse sido, as humanidades teriam virado pó e as universidades transformadas em cursos técnicos, mais ou menos o que pretende o atual ministro da Educação.

 Quando entrei na faculdade, meus professores, que tinham sido alunos de Vieira Netto, mesmo os de direita, veneravam o catedrático. Segundo texto encontrado no site da UFPR, Vieira Netto foi classificado como “um professor brilhante, muito querido entre os seus alunos, portanto de alto risco para a mocidade”.

No mesmo site se lê que foi deputado estadual constituinte em 1945, eleito pelo PCB e cassado. O TRE colocou o partidão na ilegalidade e seus deputados perderam o mandato. Em 1962, candidatou-se a deputado federal pelo PSB. Foi o mais votado entre todos os candidatos, mas não foi eleito porque o partido não atingiu o coeficiente eleitoral. Em 2013, a Assembleia Legislativa restaurou o seu mandato. A OAB-PR concede, de tempos em tempos, sua maior honraria, a Medalha Vieira Netto, outorgada a advogados que se destacaram na profissão.

Vieira Netto foi “preso, intimidado, ameaçado e processado várias vezes”. Ainda no mesmo site: “Em outra tentativa de prendê-lo, militares invadiram sua casa e pediram a Andrée [companheira do professor] que dissesse onde Vieira estava. Ela informou que ele estava no Cemitério Municipal São Francisco de Paula, em Curitiba. Lá, mostrou o túmulo do marido, que havia morrido dois anos antes. O militar que foi cumprir a ordem de prisão fez o sinal da cruz em frente à fotografia fixada no túmulo, conta a viúva do professor”.

Em 1968, os estudantes da UFPR, dentre outros Carlos Frederico Marés de Souza Filho e Vitório Sorotiuk, arrancaram o busto de Suplicy e o arrastaram por toda a Rua XV, ainda sem o calçadão, da Reitoria à Praça Osório. Dias depois, novo busto foi esculpido e colocado no pedestal. Em 2014, em “comemoração” aos 50 anos da quartelada, os estudantes da UFPR arrancaram o busto de novo.

Começou uma longa discussão na UFPR que chegou ao Conselho Universitário. Depois de longas, incansáveis e, por fim, exaustivas discussões, os conselheiros chegaram a um acordo. O busto do Suplicy voltava e na Faculdade de Direito seria colocado o busto de Vieira Netto.

O “x” da questão é que a deliberação do Conselho Universitário foi tomada em 2017. O busto do Suplicy voltou e nada de nadica do busto do Vieira Netto.

O Marés está movendo uma campanha, pelo Facebook, para que, ao menos, o busto do Vieira Netto seja entronizado no hall de entrada do prédio da Santos Andrade. Já passei por lá e deixei o meu apoio.

Com a palavra o meu queridíssimo amigo reitor Ricardo Marcelo da Fonseca. Afinal, como dizem os de “notável saber jurídico”, inclusive os do Supremo, a anistia vale para os dois lados.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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