A terra acordou mais redonda

Talvez o único legado de Olavo seja o empoderamento dos burros

Minha bolha estourou. Sabemos que eles estão por aí, vemos os números em pesquisas e em declarações. Mas pela primeira vez dei de cara com uma dupla de negacionistas. E numa mesa de bar. Ninguém merece. O que era para ser uma happy hour se transformou num pôr de sol com má digestão.

O casal, conhecido de um amigo, não acredita na gravidade da Covid, na segurança e na eficácia das vacinas e revirou os olhos quando disse a palavra “ciência”, o que me fez parecer mais radiativa do que Chernobyl. Nunca alguém havia me olhado com tanto desdém, como se eu fosse uma completa idiota, quando os terraplanistas eram eles.

Talvez pelas restrições de circulação e de encontros sociais, cada um de nós tem estado protegido da avalanche de teorias conspiratórias que inundam o WhatsApp e dos tuítes do Olavo de Carvalho, o guru bolsonarista e negacionista, morto nesta segunda (24). Mas essas pessoas existem e não têm vergonha de defender barbaridades. É mesmo espantoso esse fenômeno da burrice assanhada.

Esse talvez tenha sido o único legado de Olavo, o empoderamento dos burros. Uma parte ressentida da sociedade, influenciada e manipulada por toda sorte de teorias obscurantistas e devaneios, mas que teve sua voz amplificada nas redes sociais, passou a ter representantes em cargos públicos e nos meios de comunicação alternativos. Para essa massa de gente raivosa, os idiotas são os outros. Nós, os que acreditam em ciência.

Especulações rondam a morte do escritor. A filha Heloísa de Carvalho, com quem era rompido, diz que a causa foi Covid, informação negada pelo médico pessoal. Num tuíte de janeiro de 2021, o guru escreveu: “todo bolsonarista que morre, a mídia diz que morreu de Covid. Por que será, né?”. Talvez porque negacionistas estejam em maior número nas estatísticas.

Independentemente do laudo, com a morte de Olavo, a Terra acordou um pouco mais redonda, como li nas redes.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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