A traição do ator, a sofrência da atriz e a lacração das acadêmicas

Gastam todo o seu Beethoven para harmonizar com um peido

Uma celebridade foi traída pelo namorado. Se você é um portal, uma revista, um programa de TV ou um jornalista que vive de fofocas, está aí uma grande oportunidade. E eu respeito. Mais do que isso: eu consumo. Mas quando foi que o mundo virou esse lugar onde qualquer assunto do momento vira uma febre infinita de textões insuportáveis golfados por escritoras, sociólogas, antropólogas, feministas, cientistas, historiadoras e filósofas nas redes sociais?

Acontece que tais portais, revistas e programas necessitam de mexericos e títulos safados para atrair uma quantidade indecente de cliques –uma mediocridade gananciosa, porém honesta. E eu, admiradora de quem descaradamente assume gostar de dinheiro, quase lhes desejo sorte.

Mas, meu Deus, por que mulheres com milhares de horas de boas leituras, que frequentaram renomadas universidades, param o que estão fazendo para cometer pequenos mestrados indigestos com pretensões eruditas e sociológicas sobre uma celebridade que foi traída (e que provavelmente está sofrendo, mas vai ganhar uma fortuna com sua exposição sobre o tema)?

Fiquei pensando longos dois segundos e concluí: porque muitas acadêmicas lacradoras vivem na mesmíssima mediocridade gananciosa por cliques. Uns chamam de “Bomba, bomba, traída em boteco chora na TV”, e outros de “O patriarcado em um banheiro de bar: Uma análise à luz da ética kantiana e do existencialismo beauvoiriano”. Mas, pelo visto, todos querem surfar a onda do não assunto da vez.

Eu sou do tempo em que revistas como a “Caras” e a “Cult” viviam absolutamente separadas em uma banca de jornal. Em que momento alguém mergulhou as duas numa banheira de fezes e tentou salvar dali um monstro despedaçado e malcheiroso? Ah, foi quando inventaram os textões de redes sociais. Acho engraçado quem gasta todo o seu Beethoven para harmonizar com um peido.

Nem tudo merece tentativas (quantas em vão) de refinamento literário contra o patriarcado. Às vezes, talvez muitas, só se perde um tempo danado filosofando contra a intransponível tacanhez humana. Pessoas babacas no mundo não só existem aos montes como elas somos nozes.

Eu já traí por nada, aposto que você também. Já fui babaca (só hoje umas 16 vezes), aposto que você também. Já sofri horrores por ser traída, aposto que você também. Já escrevi 200 textos sobre as duas hipóteses, e pode ser que você tenha perdido seu tempo lendo alguns deles. Mas será que Simone de Beauvoir escreveria alguma de suas obras depois de ver três loiras chorando no programa “Mais Você”?

Com muito atraso vi o filme da Barbie. Sabe o que eu tenho de muito importante ou profundo ou feminista ou sociológico ou filosófico ou socioambiental ou enquanto mulher ou enquanto cis ou enquanto branca ou enquanto roteirista a falar ou a escrever sobre isso? Nada. Dei umas dormidas porque já era muito tarde e ri em alguns diálogos brilhantes, como é característico do casal Greta e Noah.

Mas lembro que, umas semanas atrás, todos os polêmicos de plantão estavam obcecados em debulhar o tema. Prefiro um milhão de vezes ser uma diretora rica de Hollywood a ser uma pentelha que acha que está empregada porque tem 14 desempregados que leem suas lacrações no finado Twitter.

Não foi somente pelo em ovo o que acharam, acharam muito mais. Acharam que a ova estava sem pelo justamente porque o ovo a subjugava e então ela fez depilação a laser em todos os pelos da sua corpa de ova e agora lisinha ela era mais um objeto para o ovo. Chaaaaaato pacarai.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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